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Silvio Meira

A economia dos pacotes

Na economia, cada sobressalto leva a um pacote, e cada pacote aponta numa direção

A PUBLICAÇÃO de índices internacionais de competitividade, inovação, facilidade de fazer negócios, produtividade e outros deixou de causar surpresa no Brasil. E não porque avançamos céleres rumo ao topo, mas porque países que estavam muito atrás nos ultrapassam como o maratonista que, nos últimos quilômetros, resolve correr de verdade e chega entre os primeiros. E nós, que parecíamos tão bem na foto, ficamos muito longe do pódio, chorando as deficiências estruturais nacionais.

Em algum lugar do governo, para cada um dos grandes problemas explicitados pelos tais índices globais, certamente (e há muito) se percebe cada situação ou seu correlato, a notícia. A partir daí, não se sabe ao certo o que ocorre, mas é provável que grupos de pessoas, em múltiplos ministérios e agências, se dão conta de que é preciso fazer alguma coisa.

Via de regra, cria-se um grupo de trabalho para estudar a "problemática", que é justamente por onde não deveríamos começar. Veteranos do planalto central dizem há décadas que nós sabemos qual é a "problemática". O que nos falta é o interesse e, na presença dele, a coragem para implementar qualquer "solucionática" verdadeira.

Não é preciso muito estudo para descobrir que a raiz de muitos de nossos problemas é o que se poderia chamar da "grande complicação" nacional.

Relógios do tipo "grande complicação" têm dezenas de funções, providas por intrincados sistemas mecânicos com muitas centenas de partes e peças de altíssima precisão. E um grande problema: o menor desgaste ou desalinhamento põe tudo a perder.

A "grande complicação" sócio-econômica-jurídico-fiscal brasileira é um elaborado sistema de regras, que devem ser cumpridas por pessoas e instituições, que desce ao microscópico na prescrição do comportamento dos agentes, principalmente na economia.

Em vez de descrever resultados desejados, delimitar grandes raios de ação e estabelecer restrições essenciais, vamos ao detalhe, ao passo a passo do que deve ser feito por cada um, na esperança de que o resultado, no todo, seja o desejado.

Mas não é assim na vida ou na economia. Quanto mais complicado e detalhado (e, certamente, incerto e confuso) é o conjunto de regras de um sistema, mais rudimentar e oportunista é o comportamento dos agentes.

Sem destino definido e com (falta de) fundamentos e estruturas que tornam cada caminho uma aventura, cada desafio econômico nacional vem sendo enfrentado, há muito, com "pacotes" esporádicos e desarticulados.

Compare com a política: quantas alianças espúrias teriam sido evitadas se vivêssemos a "grande" política e não a "grande complicação política", onde dezenas de segundos justificam tudo?

Na economia, cada sobressalto leva a um pacote, e cada pacote aponta numa direção. Operando de forma simultânea e (neste caso) assíncrona, tal miríade de pacotes cria a grande complicação nacional. Sob pressão da realidade, a "complicação" não resiste e enferruja, rápido, e o país para, ou quase.

Resultado? Mais pacotes, para resolver efeitos colaterais dos anteriores, por medida provisória, quase sempre, ad infinitum. E os agentes econômicos, experientes na lida com as complicações, descobrem para que um novo pacote pode ser útil "de verdade", chupam a parte "boa" e descartam o "bagaço", como conta a ser paga pela sociedade. Com um novo pacote.

Resultado? Mais complicação, mais arrasto, mais ineficiência (como se fosse pouca...) e todos os efeitos colaterais que tornam os avanços quase um retardo.

Pois não se trata de estarmos parados ou regredindo em termos absolutos, na maioria dos casos. Há avanços institucionais significativos, por exemplo. E o Brasil de hoje é muito mais competente do que o de 20 anos atrás.

O problema é que a competição global é cada vez mais leve, ágil e focada e descobriu, há muito, que não se faz uma economia competitiva a partir de uma grande complicação de pacotes.

SILVIO MEIRA, 57, fundador do www.portodigital.. e cientista-chefe do www.cesar.org., escreve a cada quatro semanas nesta coluna.
@srlm

AMANHÃ EM MERCADO:
Rodolfo Landim

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