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É fácil, muito mais fácil destruir do que construir

Conselheiro de Dilma Rousseff, presidente do BNDES diz que, na crise, foi necessário dar oxigênio à indústria de base para mantê-la viva

DE SÃO PAULO

Responsável pelo financiamento de grandes projetos da economia, o presidente do BNDES aponta o setor de bens de capital como o que mais "sofreu" e anuncia medidas para revigorá-lo.

Ressalva, porém, que serão estímulos progressivos. "É fácil, muito mais fácil destruir do que construir."

Coutinho rebate as críticas às medidas do governo chamadas de "pontuais". Segundo ele, são elas que dão "oxigênio" para "manter vivo" o setor de bens de capital.

Mas diz que apesar de "um ou outro pequenininho" estar na UTI, não há problemas mais graves. "Problema tive em 2008 para 2009", quando a economia entrou em recessão. (VC e AESP)

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Folha - A reforma tributária pode avançar no curto prazo?

Luciano Coutinho - Não quero adiantar, mas há uma reflexão permanente sobre o melhor caminho.

E o mercado de capitais?

Também. O BNDES tem um papel importante em, primeiro, cumprir o papel clássico de suprir créditos, de longo prazo enquanto o mercado não se estrutura.

Quando o sr. pensa na cadeia da indústria, que etapa mais sofreu com essa crise recente?Algum setor foi mais afetado pela desindustrialização?

Os setores de bens de capital. Perdemos empresas de setores importantes na área de equipamentos de telecomunicações, de eletrônica em geral, um pouco de indústria de informática, na área farmacêutica e química.

Permitimos um esvaziamento de valor agregado dentro da cadeia automotiva, que era muito integrada e começou a ficar uma indústria só de montagem final.

Sabemos que, para reverter esse processo, teremos de criar estímulos de maneira progressiva. É fácil, muito mais fácil destruir do que construir.

Leva quanto tempo?

Em algum setor pode levar cinco anos, em outro, dois.

Por que bens de capital foi o setor mais prejudicado?

Temos uma agenda difícil de reforço da estrutura de capital. Esse período de desaquecimento inspira preocupação em manter vivo o setor, para que ele possa retomar oxigênio para enfrentar o desafio.

Temos uma agenda, de médio e longo prazos, de ganhar capacidade. Na agenda de curtíssimo prazo temos que assegurar a capacidade de sobrevivência da indústria. Daí porque o governo tomou uma série de medidas chamadas de "pontuais".

Essas medidas táticas é que permitem sobreviver. Elas são necessárias, o que não são é suficientes.

A principal crítica, porém, é sobre a falta das medidas de longo prazo.

Estão sendo gestadas.

Na área tributária?

Não, a área tributária é a mais difícil. Tem impacto sobre a distribuição entre esferas de governo e regiões do país. É preciso solidez, porque qualquer mudança tributária pode produzir perdas maiores do que as previstas.

Não é apenas uma coisa de um governo, são propostas que precisam ser amplamente costuradas.

Começa na sociedade e com o sistema político, porque, caso contrário, a chance de sucesso é pequena.

Dos gargalos que o sr. citou -a questão tributária, a da energia, a da eficiência e automação, a do financiamento de longo prazo-, qual deles tem mais chance de progresso?

Com a redução da taxa de juros, é o sistema financeiro, porque o nosso é sofisticado e temos estoque de poupança, em grande parte ancorado em papéis públicos, que pode migrar para os privados.

O outro tem a ver com os custos de energia, mas não posso adiantar. O aumento da produtividade e da competitividade não se constrói da noite para o dia, mas temos de começar a caminhar.

Temos condições de avançar na área de óleo e gás, no agronegócio. Temos capacidade de revigorar a indústria automotiva e agregar valor dentro dela. Podemos avançar em sistemas, nos quais o Brasil ainda tem competitividade, mas tem de preservar.

Quais?

Celulose e papel, siderurgia. O complexo intensivo de informação, cadeia de telecomunicações, eletrônico de consumo. Trabalhamos intensamente para trazer a indústria de display [telas para computadores, tablets, TVs etc.], que é fundamental.

Podemos avançar na indústria farmacêutica, biotecnologia, em equipamento para construção.

Se tivesse de sintetizar tudo o que disse: o Brasil desorganizou seu modelo de crescimento dos anos 70, porque tinha um calcanhar de aquiles, dependia intensamente de poupança externa. O modelo foi desarmado pela crise da dívida nos anos 80, que quase levou à hiperinflação.

Fizemos um longo caminho de recuperar a saúde fiscal do Estado. O último ato foi recuperar solidez cambial. E, milagrosamente, recuperamos um volume de reservas internacionais, que é um colchão superimportante.

Por que essa demora para a recuperação da economia?

Há uma combinação de fatores pontuais e conjunturais. Primeiro, a digestão do endividamento das famílias, que não é feita da noite para o dia. Segundo, os estoques altos em vários setores. Terceiro, o setor privado, que travou um pouco o investimento.

E há fatores pontuais. Um pouco de perspectivas, uma visão mais de curto prazo e, no plano do investimento público, com a reorganização do Dnit, caiu um pouquinho o investimento.

Pouquinho?

Transportes está sendo recuperado. Meus dados mais recentes do Finame já apontam uma recuperação na ponta.

Para quando?

Preciso ver qual o ritmo, mas parou de cair e está embicando para cima.

Deve-se reduzir superavit primário para impulsionar investimento público?

Não, para garantir que o BC possa reduzir juros.

Quando o sr. falou em oxigênio para a indústria de base, imaginei um hospital. Onde estaria a indústria? Na UTI? Na unidade semi-intensiva?

Esse negócio de hospital já não existe mais.

Mas o sr. disse que ela precisava de oxigênio para se manter viva.

Oxigênio você obtém tornando o ar mais puro e fazendo as pessoas aprenderem a respirar bem. Com aeróbica.

Então está na fase de reabilitação, fisioterapia?

Está longe disso, tem um ou outro pequenininho na UTI ou querendo entrar, mas não estamos tendo nenhum problema. Problema eu tive em 2008 para 2009. Aquilo, sim, foi problema.

Leia a íntegra
folha.com/no1116716

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