Índice geral Mercado
Mercado
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

April Dembosky

O castigo-maternidade

Nova comandante do Yahoo! terá de provar ser boa mãe, boa executiva e boa feminista ao mesmo tempo

As reações à gravidez de Marissa Mayer foram polidas. Ela recebeu congratulações quando surgiu a notícia de que terá um bebê em outubro, três meses depois de assumir o comando do Yahoo!.

As críticas dos que duvidam de sua capacidade de ser mãe e presidente de uma companhia ao mesmo tempo foram estancadas pela declaração de que só tiraria algumas semanas de licença-maternidade.

Isso, por sua vez, resultou em críticas dos que argumentam que encurtar a licença-maternidade estabeleceria um mau exemplo para as demais mulheres trabalhadoras.

Mayer está numa situação impossível: não importa de que modo organize sua agenda, ela sem dúvida enfrentará os padrões dúplices que tantas mulheres têm de encarar no trabalho -com acusações de que estão negligenciando ou seus empregos ou seus filhos.

Ela será convidada a se pronunciar, a servir como exemplo para outras mulheres, mesmo que deseje apenas liderar a recuperação de uma das maiores companhias mundiais de tecnologia.

A sociedade ainda não aprendeu a aceitar mães de crianças pequenas como comandantes de corporações bilionárias. Incluindo Mayer, só 19 das empresas da lista "Fortune 500" são comandadas por mulheres. Pouco mais da metade tem filhos.

Em 2011, um investidor do Vale do Silício disse que "ter uma mulher grávida como fundadora ou presidente-executiva resulta em falência".

Ao contemplar um investimento em uma empresa criada por uma mulher que esperava gêmeos, ele não conseguia entender de que forma ela "lideraria uma equipe, construiria um negócio e mudaria o mundo carregando os bebês pelos próximos meses e cuidando deles depois".

A pior discriminação que as mulheres enfrentam no mundo dos negócios se relaciona à maternidade.

Um estudo de Stanford oferecia aos participantes dois currículos de candidatos a um posto de consultoria de gestão. Os dois eram de mulheres e idênticos, exceto que um mencionava que a pessoa em questão era parte de uma associação de pais e professores. Segundo a classificação dos participantes do teste, a mulher com filhos tinha chance de contratação 79% menor e ofertas salariais US$ 11 mil mais baixas.

Outro estudo constatou que mulheres altamente motivadas eram vistas pelos empregadores como tão dedicadas ao trabalho que provavelmente eram más mães e isso resultava em aumentos salariais menores e em menos promoções.

Mayer superou ao menos um desses preconceitos, ao conquistar o conselho do Yahoo!, que elogiou sua experiência e qualificações ao contratá-la.

Mas sua ascensão ao topo vai afetar um debate correlato que irrompeu entre as mulheres ocupantes de postos executivos, envolvendo especialmente duas delas.

Sheryl Sandberg, vice-presidente de operações do Facebook, aconselha as mulheres a procurar parceiros capazes de apoiá-las, dividir as tarefas caseiras e ajudá-las a manter suas ambições, mesmo que o casal esteja pensando em iniciar uma família. E disse às mulheres que é aceitável contratar uma babá.

Mas as opiniões foram contestadas por Anne-Marie Slaughter, ex-diretora de planejamento político no Departamento de Estado dos EUA. O que precisa mudar, segundo ela, é a cultura das empresas: a ideia de que presença e jornadas longas de trabalho, e não eficiência, traduzem-se em competência no trabalho.

Diversas mulheres intervieram para apontar que Sandberg e Slaughter não haviam chegado nem perto de tratar dos problemas da maioria das mães trabalhadoras, cujas carreiras não oferecem salários capazes de bancar babás, e as criticaram por não dedicar atenção suficiente ao papel dos homens na equação.

Meyer já está sendo pressionada a participar, a ser porta-voz das mulheres de baixa renda, a estabelecer exemplos para outras mães do Yahoo!. E isso a põe noutra situação impossível: não basta ser uma boa mãe e uma boa executiva -ela tem de ser também uma boa feminista.

Ao se tornar uma presidente-executiva grávida, precisa assumir uma posição sobre presidentes-executivas grávidas, e os críticos estão só esperando para atacar qualquer posição que assuma, mesmo que, e até especialmente se, preferir o silêncio.

APRIL DEMBOSKY é correspondente em
San Francisco do "Financial Times", jornal
em que este texto foi publicado originalmente

Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO:
Maria Inês Dolci

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.