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Finanças pessoais

MARCIA DESSEN marcia.dessen@bmibrasil.com.br

Rentabilidade dos títulos públicos de longo prazo está elevada

Há um ano, em agosto de 2011, José comprou uma NTN-B de longo prazo, com vencimento em 2035. Trata-se de um título corrigido pela variação do IPCA mais cupom de juros de 6,2% ao ano, taxa que o Tesouro pagava naquela ocasião.

Quando consulta o extrato de sua posição, José constata rentabilidade de cerca de 58% acumulada nos últimos 12 meses. Ele está muito feliz com a notícia, mas está achando que é bom demais para ser verdade e não entende direito por que a rentabilidade está tão elevada.

Ele fez uma conta simples: somou o IPCA do período aos juros de um ano e chegou perto de 10%, muito distante da valorização de 58% apontada no extrato.

Acho que José não é o único que precisa de ajuda para entender o que está acontecendo. Neste artigo, não pretendo abordar a exatidão dos cálculos matemáticos, até porque os números registrados nas posições do Tesouro são exatos.

Meu propósito é expor o conceito e as variáveis que proporcionaram essa rentabilidade tão generosa. E alertar José e todos os demais investidores em relação ao risco que seu investimento está exposto caso ocorra um movimento no sentido contrário.

ANTES DO VENCIMENTO

Semanalmente, o Tesouro oferece liquidez aos títulos colocados no mercado no passado, fornecendo uma cotação para comprar os títulos de volta.

A pergunta que se coloca é a seguinte: a que preço esse título será negociado antes do vencimento?

É bem possível que uma boa parte dos investidores acredite que o valor do título será apurado com base no preço de compra - nesse caso, a taxa de juros de aquisição -, calculado pelo período decorrido desde a data da compra. Não é bem assim.

A taxa de 6,2% ao ano será paga a José, além da variação do IPCA, na data do vencimento do título, em 2035.

A venda do título antes do vencimento será feita a preço de mercado. Esse preço será calculado com base na taxa de juros exigida pelo mercado, hoje, para adquirir o título de José que vence em 2035.

Todos nós acompanhamos o cenário de redução da taxa de juros no Brasil. A taxa Selic era de 10,25% quando José comprou a NTN-B com cupom de 6,20%.

Hoje, agosto de 2012, a Selic é de 8% e a mesma NTN-B, com vencimento para 2035, pode ser comprada com cupom de juros de 4,4% ao ano. Ou seja, a taxa exigida pelo mercado hoje é menor do que a taxa exigida há um ano.

Se José vender seu título para o Tesouro hoje, 23 anos antes do vencimento, vai vendê-lo com ágio, beneficiando-se da queda dos juros.

Seu título será descontado pela nova taxa de juros de 4,4% ao ano, pelos 23 anos a decorrer. A diferença de 1,8 ponto percentual, por ano, entra hoje no bolso de José, proporcionando o lucro fabuloso de 58% no período de um ano.

A alavanca que proporciona esse lucro fantástico, além da queda no cupom de juros do papel, é o tempo. Como ainda faltam 23 anos para o vencimento, o desconto será capitalizado pelo prazo a decorrer, proporcionando um ágio de aproximadamente 50,7%, além da variação do IPCA.

E se a taxa de juros subir? O que acontece com o preço desse título? Você já sabe a resposta, não é? A mesma lógica se aplica.

Se a taxa de juros tivesse aumentado 0,5 ponto percentual, de 6,2% para 6,7%, por exemplo, o título de José seria negociado com deságio de aproximadamente 12,1%. Esse seria o prejuízo de José caso decidisse vender o título nesse cenário adverso.

TAXA DE JUROS E PRAZO

A volatilidade do valor de mercado desses títulos é natural e leva em conta duas variáveis: a taxa de juros e o prazo a decorrer até o vencimento. A relação entre a taxa de juros e o preço é inversamente proporcional. Quando a taxa de juros cai (cenário atual), o preço sobe. Quando a taxa de juros sobe, o preço cai. E essa variação será tanto maior quanto maior for o prazo a decorrer do título.

Quando José comprou essa NTN-B, seu objetivo era de longo prazo, com foco na sua aposentadoria.

Não teve dúvida de que estava fazendo um bom negócio ao assegurar uma taxa de juros real de 6,2% ao ano, por muitos anos.

Entretanto, é recomendável que José faça uma reflexão e tome uma decisão importante:

a) Manter a posição e carregar o título até o vencimento. Deve ignorar a oscilação de preços, que será intensa durante os próximos anos. Mas, no vencimento, sabe que receberá exatamente a taxa contratada na aquisição- variação do IPCA mais juros de 6,2% ao ano. Não precisa de liquidez e tem sua reserva financeira aplicada em títulos mais conservadores e menos voláteis.

b) Vender o título e colocar o lucro no bolso. Antes de tomar essa decisão, José deve ponderar sua expectativa em relação ao cenário econômico dos próximos anos.

Se acredita que a taxa de juros do papel pode voltar a subir em relação ao nível atual de 4,4% ao ano, faz sentido sair agora.

Talvez realize o lucro e mude completamente sua estratégia migrando, por exemplo, para o mercado acionário ou imobiliário. Ou não...

A lógica aqui apresentada vale para os títulos com cupom prefixado (NTN-B, NTN-B Principal e NTN-F).

Os fundos de investimento que aplicam nesse tipo de ativo também têm apresentado boa rentabilidade nos últimos meses, pela mesma razão.

A diferença entre a compra definitiva de títulos, via Tesouro Direto, e a aplicação em fundos, é que o investidor não tem a prerrogativa de carregar o título até o vencimento.

É, investir em "renda fixa" é mais complexo do que parece.

MARCIA DESSEN, Certified Financial Planner, é sócia e diretora-executiva do Brazilian Management Institute, professora convidada da Fundação Dom Cabral e cofundadora do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros.

@bmibrasil

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