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Entrevista - André Loes

Argentina segura o passo da indústria brasileira

PROTECIONISMO E CRISE DO PAÍS VIZINHO AFETAM OS FABRICANTES; ECONOMISTA PREVÊ QUE BRASIL FICARÁ NA LANTERNA DO CONTINENTE

Zé Carlos Barretta/Folhapress
O economista do HSBC em seu escritório em São Paulo
O economista do HSBC em seu escritório em São Paulo

MARIANA CARNEIRO
DE SÃO PAULO

A despeito da leve recuperação da produção em julho, a ser divulgada hoje pelo IBGE, o setor industrial permanece em marcha lenta.

Em relação a julho de 2011, a produção ainda deve acusar queda superior a 2%.

Além da perda de competitividade, outro problema emergiu nos últimos meses.

A Argentina cresce menos e restringiu a entrada de produtos estrangeiros no país.

Quarto maior destino das nossas exportações, ela é mercado preferencial de produtos industriais brasileiros.

O vizinho é importante tanto para bens acabados quanto no comércio intracompanhia, modelo em que parte de um produto é fabricada lá e outra parte no Brasil.

O economista-chefe do HSBC para a América Latina, André Loes, 47, prevê que o tempo ruim vindo do sul não se reverterá nos próximos meses, o que estenderá o inverno para a indústria brasileira. A seguir, a entrevista.

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Folha - Em que medida a Argentina está afetando nossas exportações?

André Loes - É um mercado importante, que está desacelerando muito e colocando barreiras neste momento.

Como concentra parte importante das vendas industriais, a redução das exportações tem impacto na atividade brasileira. Setores relevantes estão sendo particularmente afetados. Mais do que se as vendas para a China [nosso principal parceiro comercial] fossem prejudicadas, porque neste caso só quem produz matéria-prima seria afetado.

Quais setores são mais punidos pelo efeito Argentina?

Exportamos um pouco de tudo para lá, mas principalmente bens de capital [máquinas], automóveis, produtos metalúrgicos e autopeças.

A fraqueza da indústria brasileira pode ter relação com a crise na Argentina?

A estagnação da indústria brasileira é clara desde 2010, muito antes de a Argentina passar a crescer menos.

Nosso problema é uma perda de competitividade estrutural, mas isso piora quando a Argentina compra menos.

Por que a Argentina está em desaceleração?

O aumento do protecionismo foi muito forte e, com o descontrole do câmbio, afetou a atividade. A restrição de importações chegou a ponto de controlar todas as transações comerciais. E a Argentina não importa só bens de consumo final, que poderiam ser produzidos lá. Estão colocando restrições a bens intermediários, e isso dificulta a produção local, pois impede que as empresas importem insumos.

No médio prazo, se poderia dizer que as empresas passarão a produzir os insumos internamente, sem importar.

Mas é difícil ter certeza de que isso vai acontecer. Então, no curto prazo, o efeito é semelhante a um choque de oferta negativo.

Mas as medidas não são para proteger a atividade local?

As medidas foram colocadas para reverter a saída de dólares, após a eleição. Para controlar o fluxo cambial e evitar uma crise no balanço de pagamentos. Seu efeito colateral tem sido a desaceleração forte. Além disso, as medidas têm afetado negativamente a confiança do empresário e do consumidor.

Nossas exportações serão afetadas por um prazo longo?

As exportações industriais têm mais dificuldade de serem colocadas em outros mercados. É possível direcionar commodities [matérias-primas negociadas no exterior]. No produto industrial, a peça a ser colocada num automóvel ou televisor é específica para um determinado modelo. Se houver uma extensão do crescimento baixo na Argentina, isso atrapalha a recuperação das exportações e afeta o setor industrial no Brasil. Esse efeito pode demorar a passar e pesar no segundo semestre.

E a Argentina não deve crescer neste ano?

Ao optar por não desvalorizar o câmbio, o que levaria ao ajuste desejado nas contas externas, e usar os controles, a Argentina terá um crescimento menor. Seu crescimento potencial [que não gera inflação] cairá para 3%.

O país vinha crescendo mais. Com isso, nossa previsão para o crescimento em 2013 caiu de 5% para 3%. Neste ano, a projeção é de 3%, queda bastante relevante em relação aos anos anteriores.

Há chance de reversão?

Não acredito que ao longo do segundo semestre haja uma melhora muito significativa vindo de lá para as nossas exportações.

Mesmo em crise, a Argentina deve crescer mais do que o Brasil. Estamos pior?

Não. O Brasil, a despeito de uma projeção de crescimento menor, vai ter um segundo semestre mais forte e vai entrar o ano que vem acelerando para um crescimento próximo de 4%.

Já a Argentina desacelerou fortemente [de 8,9% em 2011 para 3% em 2012] e a projeção deste ano tem risco de não se materializar, porque os números estão vindo fracos.

E em relação aos demais vizinhos, vamos crescer mais?

O Brasil vai ficar na lanterna do crescimento da América Latina novamente neste ano [já ficou no ano passado, com crescimento de 2,7%].

Os países andinos vão crescer muito bem. O Peru deve crescer 5%, o Chile, 4,5% e a Colômbia, 4%. A despeito de serem economias mais abertas, e por isso mais suscetíveis aos efeitos da crise externa, esses países seguem exportando, porque são competitivos. Além disso, têm uma demanda doméstica crescente, graças ao aumento dos preços das matérias-primas que exportam.

O México fez um ajuste forte nos últimos cinco anos e recuperou competitividade ante seu principal rival [China] no seu maior mercado [EUA]. Além disso, passou a receber investimentos fortes e diversificados.

Por que o Brasil perde?

Porque investe menos. E investe menos porque é muito pesado de custos. É muito caro produzir no Brasil.

Se investe menos, cresce menos. É possível por dois, três anos, crescer mais do que os outros mesmo com investimento menor, porque você está usando capacidade ociosa. Mas, depois, ou você investe mais e prepara mais sua mão de obra para que haja aumento de produtividade ou você vai crescer menos. É simples assim e duro assim.

Mas o sr. está prevendo crescimento de 4% em 2013.

Na verdade, 3,8%. Mas será fácil. O Brasil vai crescer mais no segundo trimestre e o carrego estatístico vai ajudar. Não é nada espetacular. E essa turma [países andinos] está crescendo 4,5%, 5%.

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