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Alexandre Schwartsman

Proteção e o asno de Buridan

Fazenda não quer alta de preços, mas isso deve ocorrer para que a produção seja elevada

QUANDO O ministro da Fazenda anunciou a nova rodada de medidas protecionistas, elevando o imposto de importação para cem produtos, avisou também que não toleraria abusos: indústrias que se aproveitassem das alíquotas de importação mais altas para aumentar seus preços seriam punidas com o cancelamento da medida, isto é, o retorno à alíquota anterior, mais baixa.

Parece uma medida sensata, mas trai um desconhecimento atroz de princípios elementares de economia. Como pretendo mostrar, para aumentar a produção, objetivo último das medidas de proteção, os preços terão que subir, fenômeno que parece se encontrar além do entendimento do Ministério da Fazenda, mas que não escapará dos escassos leitores desta coluna.

Considere os setores muito expostos à concorrência internacional, como o de manufaturas. Nesse caso, o preço interno deve ser aproximadamente o preço internacional (por exemplo, em dólares), multiplicado pela taxa de câmbio ("x" reais por dólar) e acrescido de tarifas de importação e custos de transporte. Se a empresa tentar elevar seu preços além desse valor, perderá mercado para os importados. Caso, pelo contrário, fixe seu preço abaixo disso, deixará dinheiro na mesa.

Uma vez estabelecido o preço, precisamos determinar o volume produzido. Imagine que o preço seja R$ 10 a unidade e a empresa possa produzir a R$ 8 a unidade.

Nesse caso, cada unidade adicional produzida gera um lucro de R$ 2 e há, portanto, incentivos para a empresa aumentar a sua produção. Esses permanecem até que o custo das novas unidades chegue a R$ 10 a unidade.

A partir desse valor, não faz sentido a empresa produzir mais. A um custo de, digamos, R$ 11 a unidade ela perderia R$ 1 a cada nova unidade e, assim, tomará a decisão de não produzir além do volume ao qual o custo de cada nova unidade se iguala ao preço interno.

Considere, por fim, as consequências de uma elevação generalizadas dos custos do país, seja por aumentos de salários acima do crescimento da produtividade, seja pelos efeitos da deterioração da infraestrutura, ou qualquer uma das causas tão bem compreendidas pelo empresariado local.

Se, por exemplo, o custo da nova unidade subir para R$ 11 a unidade, a empresa local cortará a produção até que este caia a R$ 10 a unidade, restabelecendo dessa forma o seu equilíbrio financeiro.

É claro que, para atender à procura, a menor produção local terá que ser compensada por mais importações, levando certas lideranças a gritarem "desindustrialização" e o governo a tomar medidas para proteger a indústria, subindo as tarifas de importação, de modo que o preço interno, sob novas tarifas, alcance agora R$ 11 a unidade.

Caso, porém, a empresa, atemorizada pela ameaça da Fazenda, tenha que manter seu preço em R$ 10 a unidade, ela seguirá sem incentivos para retomar os níveis anteriores de produção. Pelo contrário, manterá o nível consistente com o custo de R$ 10 a unidade. Ela só voltará ao volume inicial de produção (que vigorava sob custos mais baixos) se seu preço subir a R$ 11 a unidade, ocupando o espaço deixado pelos produtos importados.

Em outras palavras, a decisão de produção está inapelavelmente ligada ao preço a que a empresa pode vender seus produtos no mercado interno. Políticas de limitação aos preços apenas se traduzem em quantidades reduzidas, lições que a história econômica em geral, e a brasileira, mostram à exaustão.

À luz disto, podemos concluir que o ministro da Fazenda reduzirá as alíquotas caso os preços subam? Para respondermos à questão precisamos saber o que mais desagrada as autoridades: elevação de preços ou queda da produção?

Tudo que ocorreu até agora sugere que prioridade é o crescimento, não a inflação (como magistralmente exposto na última ata do Copom), ou seja, a ameaça ministerial permanece como possibilidade muito remota e as empresas sabem disso. A válvula de escape, como sempre, será a inflação.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 49, é doutor em econo-mia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, sócio-diretor da Schwartsman & Asso-ciados Consultoria Econômica e professor do Insper.

www.maovisivel.blogspot.com
alexandre.schwartsman@hotmail.com

AMANHÃ EM MERCADO:
Marcelo Miterhof

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