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Marcelo Miterhof

E a demanda doméstica?

Com a redução dos juros e a desaceleração global, o país pode alavancar o modelo de consumo de massas

A Folha de sábado passado trouxe uma reportagem acerca do artigo "O Contrato Social da Redemocratização e seus Limites" de Samuel Pessôa, que defende que o modelo de crescimento econômico em vigor desde meados da década passada estaria esgotado.

Pessôa, que escreve neste espaço aos domingos, entenderia que o atual governo estaria fadado a ser de crescimento medíocre.

O modelo em questão é o de consumo de massas. O colunista advoga que as expansões do crédito e da renda real das classes menos favorecidas estariam esbarrando no pleno emprego e no alto grau de utilização da capacidade produtiva.

Outra perna de sustentação do modelo é a elevação dos preços das commodities brasileiras, o que, ao menos parcialmente, tem sido revertido com a desaceleração global.

Pessôa acrescenta ainda que os efeitos da queda dos juros estariam superestimados. Assim, a expansão da oferta não estaria acompanhando o aumento do consumo.

O argumento faz sentido. A economia brasileira está em transição. A queda dos juros interfere no equilíbrio em vigor desde a retomada do crescimento em 2004, quando a valorização cambial facilitou o controle da inflação durante a expansão do consumo, ainda que fragilizando a indústria de transformação.

Mas quem disse que o crescimento econômico é um fenômeno de equilíbrio?

A clivagem entre os paradigmas do equilíbrio e do desequilíbrio é uma boa forma de separar os economistas. O primeiro grupo entende que é preciso desenvolver e qualificar a oferta como forma de preparar o crescimento. Por isso, ouvem-se tantas cobranças quanto às "reformas microeconômicas".

Qualificar a mão de obra, flexibilizar as leis trabalhistas para baratear seu custo, reduzir a burocracia, cortar gastos públicos e diminuir a carga tributária seriam parte do, por vezes doloroso, "dever de casa" que garantiria o crescimento futuro.

Ninguém é contra melhorar a qualificação ou reduzir a burocracia. Mas, o crescimento é essencialmente um fenômeno de desequilíbrio.

Numa economia capitalista, descentralizada e inovadora, a mobilização de recursos para produzir mais nunca é feita equilibradamente: há sempre algo que avança na frente, criando a procura que incentivará o investimento para a ampliação da oferta dos demais fatores.

Nesse contexto, minha divergência com Pessôa está no prognóstico. De fato, a política monetária não tem sido suficiente para propiciar a retomada. A queda dos juros é essencial para normalizar as condições macroeconômicas de custo do investimento e do câmbio.

Porém, nenhum empresário investe somente porque os juros estão baratos ou o câmbio está melhor.

Investimento ocorre se houver perspectiva de lucro, ou seja, de demanda. Um ciclo de crescimento que teve seu impulso nas vendas externas perde força com a desaceleração mundial. Mas as exportações somam menos de 15% da demanda agregada brasileira. E a doméstica? Se os níveis de emprego e de uso da capacidade produtiva são altos, por que o investimento não reagirá?

Uma voz dissonante na reportagem do sábado passado, Bráulio Borges, economista da LCA, lembrou que o patamar do investimento foi de 16% do PIB no período 2000-2007 para 19% em 2008-2011.

Para ter novos saltos nessa taxa, a receita novamente é: aumentar a demanda. Ao atacar tanto a procura quanto a oferta, o investimento público é fundamental.

A política industrial é igualmente importante para elevar os pedidos da indústria de transformação, especialmente a dos fornecedores de componentes, peças e partes.

Sim, isso pode ter impactos sobre a produtividade, mas como aumentar a produtividade sem investir? Mais importante, nas condições atuais, a política fiscal pode ser relaxada para elevar a atividade interna.

Com a queda dos juros, o esforço para pagamento dos credores do governo fica menor. O próprio conceito de superavit primário -as receitas que o governo não gasta para pagar juros-, uma idiossincrasia brasileira, perde sentido.

O modelo brasileiro de consumo de massas não se esgotou. Pelo contrário, com a desaceleração global e a redução dos juros, o país pode alavancá-lo, adensando a demanda doméstica, especialmente na indústria de transformação.

MARCELO MITERHOF, 38, é economista e mestre pela Unicamp. Escreve às quintas-feiras nesta coluna.
email: marcelomiterhof@uol.com.br.

AMANHÃ EM MERCADO:
Rodolfo Landim

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