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Nizan Guanaes

O sonho brasileiro

Com a formação da nova classe média, o potencial de transformação positiva no Brasil hoje é brutal

Outro dia de novo ouvi gente inteligente comparando o Brasil de hoje com os Estados Unidos dos anos 1950, a época em que o gigante americano do norte começou a consolidar a sua classe média e a sua postura de potência global hegemônica.

O outro gigante americano, o Brasil, só agora está formando uma classe média forte o suficiente, postulante, aspiradora, inspiradora e inconformada com a histórica divisão de classes brasileira entre poucos do topo e muitos da base.

Assim como os americanos se desenvolveram de forma extraordinária a partir dos anos 1950, o potencial de transformação positiva no Brasil hoje com a formação de nossa nova classe média é brutal.

Os valores da classe média, por natureza, enfatizam o conhecimento e a realização, que são os caminhos abertos para a sua evolução. A explosão do ensino superior no Brasil já retrata essa progressão.

A nova classe média valoriza independência, inovação e inconformismo. Ela não quer ficar parada. Deseja seguir ascendendo e provendo mais condições para seus filhos e netos, num movimento que empurra a economia nacional.

Antes a mulher brasileira tinha cinco, seis filhos em média. Hoje ela tem menos de dois. Dos cinco filhos, a maioria mal frequentava a escola. Hoje estão todos ou quase todos na escola (embora a qualidade do ensino ainda precise melhorar muito). E parte crescente das novas gerações cursará a universidade.

Por isso, ainda estamos no primeiro estágio dessa formação. Os novos filhos da nova classe média nacional serão muito diferentes e muito mais bem preparados para as cidadanias econômica e social.

Nos EUA dos anos 1950, filmes de Hollywood como comédias de Doris Day e Rock Hudson mostravam a classe média americana ascendente, feliz e confiante com seus carrões na garagem e suas confortáveis residências suburbanas.

Já estamos vendo esse filme por aqui, versão brasileira. É só olhar o sucesso da novela das nove, que deslocou o centro da trama para a nova classe média e todo mundo foi assistir.

Setores produtivos que atendem a essa evolução socioeconômica estão entre os mais dinâmicos do país. A busca pelo carro e pela casa, grandes símbolos de transformação social, não à toa causaram booms na indústria automobilística e no mercado imobiliário.

O consumo explodiu.

E o consumo é não só um dos pilares da expansão econômica e social, como também uma forma de afirmação cultural. Goste-se ou não, em muitos sentidos, a forma como consumimos é a forma como vivemos. Cada vez mais. Cabe a nós todos, e aos homens e às mulheres de marketing em particular, direcionar esse consumo -necessário, seminal, transformador- para um consumo ainda mais benéfico, sustentável e culturalmente produtivo.

Passamos décadas, séculos, diminuindo nossas capacidades, o que foi chamado por Nelson Rodrigues de "complexo de vira-lata".

Pois bem. O vira-lata tem todos os atributos que precisamos para afirmar a nossa emergência. Ele é misturável, adaptável, independente, resistente, inteligente e inovador na sua labuta diária. É um formador de cultura. Uma cultura brasileira que agora, com a inclusão das massas, torna-se finalmente representativa do Brasil todo.

Uma cultura que vai parir um sonho. E aí diferimos um pouco dos Estados Unidos.

Lá, a noção do sonho americano antecedeu o empoderamento da classe média. Ele teve suas raízes fincadas já na Constituição americana, do final do século 18.

Aqui o sonho brasileiro está começando a se formar. E o sonho é a propaganda do desejo, o reclame da ambição. Como a ambição do Brasil sempre foi grande, o nosso sonho será grande. E estará mais perto quanto mais criarmos para esse dinamismo individual brasileiro uma visão coletiva e nacional que permeie as coisas.

Tem sido recorrente nas pesquisas o brasileiro sempre se dizer mais otimista com seu futuro pessoal do que com o futuro do Brasil como nação. Talvez o que falte ao sonho do brasileiro seja o sonho brasileiro.

NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às terças-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Schwartsman

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