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Marcelo Miterhof

A volta dos bancos de fomento

Países da Europa recriam os bancos de desenvolvimento como forma de compensar a retração do crédito

Países da UE (União Europeia), como França e Reino Unido, estão recriando bancos públicos de desenvolvimento como forma de compensar a retração de crédito dos bancos privados comerciais, em razão da crise financeira internacional.

A ação "está no coração de novas políticas industriais na Europa", disse Christian de Boissieu, presidente do Comitê de Análise Econômica do governo francês, na edição de segunda-feira passada do jornal "Valor Econômico".

Há duas décadas o sentido era o oposto: os países europeus fecharam a maior parte de seus bancos de fomento como forma de combater o clientelismo político que os obrigou a fazer significativas recapitalizações nessas instituições.

Agora, continua a matéria do "Valor", os governos da UE constataram que foi preciso usar centenas de bilhões de euros para socorrer os bancos privados, sem ter tido a chance de orientar o seu crédito.

O movimento pendular da política econômica não é uma novidade. Como um campo de conhecimento, em que a verificação de suas hipóteses não é redutível a testes de laboratório, a economia convive com disputas acadêmicas intermináveis: a poupança é um requisito para alavancar o investimento ou é o ato de investir que permite acumular poupança? A moeda é apenas um véu que facilita transações econômicas ou é um ativo central que afeta decisões de investimento e produção?

Felizmente, como costuma lembrar em suas colunas o ex-ministro Delfim Netto, a emergência da economia como "ciência" se deu juntamente à da democracia moderna, cabendo à população arbitrar qual corrente será dominante a cada momento.

Não se trata, portanto, de pontificar a vitória definitiva das políticas industriais e dos bancos de desenvolvimento. Políticas industriais são úteis ao desenvolvimento porque oferecem condições privilegiadas à produção local, de forma a permitir criar num país competências e capacidades capitalistas que, em condições normais de mercado, não surgiriam por conta da competição com as economias centrais.

Com o avanço de grandes economias emergentes, até os países pioneiros no capitalismo passaram a serem acossados por ameaças de desindustrialização.

A indústria não é uma questão de opção para países que querem se tornar ou se manter desenvolvidos. O setor industrial é o principal difusor de inovações e do avanço produtivo capitalista. Ademais, é imprudente colocar todos os ovos na mesma cesta, apostando numa especialização econômica de ocasião.

Porém, políticas industriais estão sujeitas a erros e, como seus resultados são de longo prazo, a verificação de sua efetividade é complexa. Assim, sempre haverá inconsistências e mazelas (verdadeiras ou não) a apontar: subsídios demasiados, setores priorizados que não foram os apropriados etc. Esses riscos fazem parte do exercício e do aprendizado de políticas industriais.

A recriação de bancos de fomento é uma boa novidade para a Europa porque as instituições podem dar continuidade à política industrial, a tornado uma atividade mais pragmática e menos sujeita aos ventos ideológicos.

Bancos públicos também ampliam a diversidade de propriedade dos capitais e, portanto, de interesses, o que dá mais estabilidade ao sistema financeiro, permitindo mitigar os efeitos deletérios de crises como a atual.

O mercado é míope. A busca do lucro confere ao capitalismo um avassalador caráter inovador e progressista. No entanto, significa também menor disposição a assumir riscos individualmente, uma tendência à concentração dos ganhos e um imediatismo nas decisões de produção, investimento e financiamento.

Bancos públicos permitem contrabalançar essas tendências, por exemplo, assumindo riscos ao financiar a inovação, apropriando-se de parte dos lucros do sistema financeiro ou investindo em projetos de infraestrutura de longa maturação.

Isso não quer dizer que o mercado não tenha um papel na política industrial. O mercado é importante para complementar os esforços da política industrial, sancionando suas escolhas.

É preciso notar que a atuação de bancos públicos no sistema financeiro e a convivência entre mercado e intervenção pública representam um saudável esforço de combater as dicotomias no exercício da arte da política econômica.

MARCELO MITERHOF, 38, é economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.
marcelo.miterhof@gmail.com

AMANHÃ EM MERCADO:
Luiz Carlos Mendonça de Barros

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