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Marcelo Miterhof

Rentista prevenido morre de velho

Fundos de pensão devem se adaptar aos juros baixos com aplicações em ações e no setor imobiliário

Não vivo de rendas. Mas dependo delas para me aposentar. Por isso, algo tem atazanado a minha tranquilidade: a adaptação dos fundos de pensão aos juros baixos.

Há dez anos participo de uma entidade de previdência complementar. Nesse período, pouco me preocupei em acompanhar o seu desempenho. Afinal, a sua meta anual de ganho real (descontada a inflação) de 6% podia ser facilmente alcançada através de aplicações em títulos públicos, que renderam frequentemente mais de 10% ao ano.

No futuro, porém, a rentabilidade real anual dos títulos públicos promete ser da ordem de 2%. Hoje, já é de 4,5% nos títulos de vencimento de longo prazo.

Meu colega Fabio Giambiagi foi o primeiro a me chamar a atenção para a brutal preocupação que isso representa, quando propôs fazer uma simples e eloquente conta.

Para cada R$ 1.000 que alguém deseja ter de aposentadoria, após trabalhar dos 20 anos aos 55 anos e vivendo em média até os 80 anos, a contribuição mensal durante o período ativo deve ser de R$ 114,72 se os juros anuais reais forem de 6%. Para juros reais de 4% ao ano, essa contribuição sobe para cerca de R$ 212. Para juros reais nulos, tal poupança precisa ser de R$ 714,29!

É possível (e desejável para a economia) aos fundos elevar suas aplicações em ações e no setor imobiliário, que tendem a ser mais rentáveis sob juros baixos, compensando parcialmente a perda com os títulos públicos. Porém, isso significa aceitar riscos maiores, o que tende a diminuir a rentabilidade média em comparação à segurança dos papéis do Tesouro Nacional.

Assim, não deve demorar a ser reduzido o teto legal para a meta atuarial dessas entidades, que hoje é de 6% ao ano. Há entidades, como a Funcef, da Caixa Econômica Federal, que já fixaram sua meta abaixo do limite e que cogitam reduzir ainda mais. Em alguns anos, é razoável supor um teto de 4% ao ano.

A consequência é que teremos que contribuir mais, por mais tempo e/ou reduzir as expectativas em relação ao valor da aposentadoria.

Além do valor das contribuições dos seus participantes, a taxa de ganho de um fundo de pensão, chamada de meta atuarial, é a principal variável a determinar o valor disponível para o pagamento das aposentadorias. Quanto mais reduzida ela for, menor será o rendimento obtido nas aplicações das contribuições ao fundo e, assim, menor o valor disponível para as aposentadorias dos participantes.

Mais que uma meta, a taxa de ganho atuarial é uma premissa das demonstrações financeiras de um fundo de pensão, que corrige seus ativos. Em muitos casos, superavits hoje existentes nos fundos virarão deficit se a meta atuarial for reduzida.

Não é surpreendente que empresas patrocinadoras e dirigentes de fundos de pensão tendam a postergar os ajustes necessários na combinação do valor de contribuição, com o tempo necessário para se aposentar e o benefício esperado, pois isso significa entrar em atrito com os participantes.

Claro, poucas coisas envolvem uma ponderação tão complexa entre esforços imediatos e benefícios longínquos como um fundo de pensão. Complexa porque envolve solidariedade entre pessoas em grandes grupos, submetidos a cálculos exponenciais. A vida apertada tende ainda a valorizar demasiadamente o presente. Se a prioridade dada ao presente for consciente, não há problema: ganha-se mais hoje e menos na aposentadoria.

Mas num fundo de pensão há o risco de os benefícios de uma geração serem pagos dilapidando a parcela do patrimônio acumulado que deveria prover as aposentadorias da geração posterior. O problema, então, é ganhar menos na aposentadoria porque o fundo pagou demais aos que vieram antes.

No Brasil, boa parte dos fundos de pensão é ligada a estatais, o que pode deixar a tentação de acreditar que eventuais problemas serão assumidos pelo patrocinador. Mas é altamente desaconselhável acreditar nessa hipótese. Felizmente, esse tipo de socialização de prejuízos não será mais possível no país.

O melhor é encarar a realidade. Os participantes devem tomar a dianteira e avaliar a razoabilidade das premissas atuariais de seus fundos, em especial num momento em que ajustes serão estrutural e generalizadamente necessários.

Juros baixos e crescimento da renda real são ótimos. Mas aqueles que têm a sorte de contar com um fundo de pensão para o futuro não devem deixar que o avanço do país vire um pesadelo. Como um rentista prevenido, quero morrer de velho.

MARCELO MITERHOF, 38, é economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco. Escreve às quintas nesta coluna.

marcelo.miterhof@gmail.com

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