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Entrevista - Bernard Appy

Reforma tributária pode deixar 10% mais rico cada brasileiro

Economista que elaborou a proposta mais recente vê nova chance de o país mudar o sistema em nome do resgate da competitividade

MARIANA CARNEIRO
DE SÃO PAULO
ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
EDITORA DE MERCADO

Autor da mais recente -e não implantada- proposta de reforma tributária, o economista Bernard Appy vê nova chance de governo federal e Estados enfrentarem o problema em nome da novíssima agenda do país: o resgate da competitividade.

Em 2008 e 2009, Appy elaborou uma proposta que continha desoneração da folha de pagamentos, reforma do ICMS e unificação dos sistemas de cobrança do PIS/Cofins para um único imposto.

Enfrentou resistências e a reforma não vingou. Hoje, o governo emite sinais de que pretende retomar parte da agenda perdida para impulsionar a economia.

Appy prevê resistências, mas defende que os efeitos seriam relevantes e distribuídos por vários setores.

Se o governo, numa tacada, fizesse a reforma do PIS/Cofins, do ICMS e ampliasse a desoneração da folha de pagamentos para todos os setores, o impacto, calcula Appy, seria um PIB 10% maior em um prazo de dez anos.

"Daqui a dez anos o país pode estar 10% mais rico. Cada brasileiro pode estar 10% mais rico por conta desse tipo de mudança", diz.

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Quais são os principais problemas fiscais atualmente?
O primeiro é o PIS/Cofins. Hoje há um regime que mistura um sistema não cumulativo com um sistema cumulativo. E, nesse segundo caso, há uma série de restrições sobre o que pode gerar crédito para as empresas.
Pelo sistema brasileiro só gera crédito o que é incorporado fisicamente à produção física, e isso abre uma enorme discussão entre as empresas e o fisco sobre o que foi ou não incorporado à produção.

O que, por exemplo?
Todo o gasto de telecomunicações de uma empresa industrial não gera crédito. É como se isso não fosse custo de produção para a empresa, só porque não foi incorporado fisicamente ao produto.
O mesmo critério de aproveitamento do crédito apenas para o que foi incorporado fisicamente ao produto vale para o ICMS. Tem Estados que não aceitam, por exemplo, o crédito relativo ao imposto da eletricidade gasta no escritório, só o das fábricas.
A questão sobre o que gera e o que não gera crédito é hoje um dos grandes pontos de contencioso entre as empresas e o fisco no país.

Existia algum argumento lógico para essa distinção?
A base lógica era evitar que se contabilizasse como despesa da empresa gastos pessoais. O fato é que isso gera uma enorme complexidade, um enorme contencioso.

Algum outro país relevante tem o mesmo critério?
Não, nenhum. Além do contencioso, a limitação do crédito de imposto gera um problema de cumulatividade. Quando uma parte do que a empresa compra não gera crédito, paga-se imposto ao longo da cadeia que não é desonerado da exportação. O país fica menos competitivo.
De fato, a competitividade das empresas brasileiras é duplamente prejudicada: pelo efeito da cumulatividade e pelo custo gerado pela complexidade do sistema e pelos contenciosos. Aliás, os contenciosos representam um custo também relevante para o governo.
Outro problema é a criação de distorções competitivas entre as próprias empresas. Dependendo da estrutura de custos do setor, pode ser mais vantajoso ter um fornecedor de lucro presumido [regime cumulativo] ou lucro real [não cumulativo].
Eu não contrato o fornecedor que é mais eficiente, que opera com menor custo, mas o que, em função da tributação, tem o menor preço.

Mas dá pra eliminar a cumulatividade do PIS/Cofins?
Dá. Segundo a imprensa, o governo está estudando migrar todo o PIS/Cofins para o regime não cumulativo e acabar com as restrições ao crédito. Essa é uma daquelas mudanças que dá diferença no PIB potencial do país.

De quanto?
É daquelas sobre as quais é possível dizer: 'O país vai crescer 0,5% a mais por ano durante cinco ou dez anos'.

Só na mudança do PIS/Cofins?
Só na mudança do PIS/Cofins. A dificuldade é que a mudança na tributação gera uma redistribuição da carga tributária. Há uma composição entre setores perdedores e setores ganhadores.
O setor de serviços, por exemplo, está hoje quase todo no regime não-cumulativo, que tem alíquota mais baixa, e pode se posicionar contra a mudança se a transição não for bem feita.
Desse ponto de vista, acho que, na transição, pode-se considerar manter o regime cumulativo para os setores na ponta, no varejo. Não faz muita diferença, pois não afeta a competitividade dos produtos nacionais.
Em todo caso, seria preciso conhecer os detalhes da proposta do governo para uma avaliação mais precisa.

Pela sua experiência no governo, o quanto essa pressão dos perdedores pode atrapalhar?
Essa é uma discussão que pode se atrapalhar no Congresso. Para minimizar a resistência, é essencial que se entenda o grande benefício para a economia do país.
A recente mudança da caderneta de poupança é um bom exemplo. Todo o tempo em que eu estive no governo ouvi dizer que era politicamente impossível mudar a poupança. A mudança foi feita e praticamente não gerou turbulência política.

Pelo que o sr. elencou de perdedores, ao que parece, o vencedor seria a indústria?
O vencedor é a indústria do ponto de vista da competitividade. A indústria, principalmente a exportadora, vai reduzir a carga tributária acumulada na cadeia.
Mesmo a indústria voltada para o mercado doméstico, à medida que se aproprie de créditos de que hoje não se apropria, vai se tornar mais competitiva em relação ao produto importado.
Diretamente, a indústria é a maior beneficiada. Agora, indiretamente, é o país como um todo. Porque a mudança gera um efeito positivo sobre a produtividade, além de reduzir custos. Isso tem um efeito positivo sobre toda a economia.

Qual seria o impacto?
Se toda a agenda do PIS/Cofins e do ICMS for implementada -e também a desoneração mais ampla da folha de pagamentos- o impacto estimado seria de em dez anos poder crescer algo como 1% a mais ao ano. Daqui a dez anos o país pode estar 10% mais rico. Cada brasileiro pode estar 10% mais rico por conta dessas mudanças.
Agora o benefício é difuso. É muito engraçado porque as pessoas não conseguem entender isso quando avaliam as mudanças das quais estamos falando. Esse tipo de benefício, que se reflete em maior eficiência da economia, ninguém consegue perceber como sendo seu benefício. Mas ele existe. Existe e é relevante.

Leia a íntegra da entrevista
folha.com/no1166217

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