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Leve a batata, ganhe o jantar

Em meio à crise, restaurantes em Florença aceitam produtos como legumes e vinho em troca de refeições para manter freguesia

ANTONELLA CIANCIO
ALESSANDRO BIANCHI
DA REUTERS, EM FLORENÇA

A uma curta distância dos cafés que atendem turistas perto do Palazzo Vecchio, Donella e seu marido, Frank, estão ocupados negociando a troca de vinho e batatas por uma refeição da massa florentina conhecida como "pici" -um parente do espaguete, mais curto e enrolado a mão-, acompanhada por um caldo de carne de porco.

O casal abriu um restaurante de 40 lugares em Florença que permite que clientes troquem legumes e outros produtos por um jantar típico, como maneira de encorajar as pessoas a sair para jantar apesar da recessão.

"Decidimos abrir um restaurante, um ponto de encontro para aqueles que gostam de sair apesar da crise", diz a sócia Donella Faggioli, tatuada e com um corte moicano nos cabelos loiros.

"Muita gente está sem dinheiro para sair à noite e jantar ou não tem dinheiro suficiente para se manter até o fim do mês. Por isso decidimos voltar ao velho sistema de escambo."

O restaurante se chama L'e Maiala -uma expressão toscana que significa "tempos difíceis" e deriva do termo usado para a carne dura das porcas- e retoma uma tradição sobre a qual os proprietários se lembram de ter ouvido seus avós comentar ao recordar o período posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando o escambo se tornou comum em Florença por algum tempo.

"O restaurante é dedicado aos nossos avós. O tipo de cozinha é dedicado à memória dos nossos avós que comiam em casa nos domingos e cozinhavam esses mesmos pratos, receitas muito simples, mas bastante saborosas", diz Leandro Bisenzi, outro dos sócios do restaurante.

CRISE COME LUCROS

O escambo existe há séculos como alternativa ao dinheiro, mas uma recessão prolongada pode ter reforçado sua presença em um momento no qual companhias com caixa baixo trocam serviços por meio de intermediários a fim de reduzir custos e encontrar novos clientes.

Em 2011, mais de 400 mil empresas em todo o mundo faturaram US$ 12 bilhões com ativos trocados por escambo, de acordo com a Irta (Associação Internacional de Comércio Recíproco, na sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos norte-americana que promove a mais antiga das formas de comércio.

O comércio por escambo deve crescer entre 5% e 10% ao ano, de acordo com a associação. E isso não inclui transações não registradas, como uma troca de serviços entre um encanador e um restaurante, por exemplo.

Na Itália, o escambo é menos comum que nos EUA. Mas se expande à medida que a recessão corrói as economias.

"As empresas não só vendem menos como enfrentam uma crise de liquidez, por isso não podem comprar", diz Simone Barbone, diretor de marketing da BexB, a maior das empresas de intermediação de escambo na Itália.

A BexB permite que seus 2.600 membros troquem serviços como reparos e reformas via rede on-line. Os usuários também empregam uma moeda complementar conhecida como Bexb, para realizar compras e vendas.

Criada em 2001, a BexB foi inspirada pelo WIR Bank, banco cooperativo suíço fundado em 1934, na Grande Depressão. Desde seu lançamento, a BexB mediou transações de mais de € 200 milhões, um terço desse valor no ano passado.

"Os números vêm crescendo à medida que mais empresas aderem à rede em meio à crise", diz Barbone.

Restaurantes, que atendem diretamente a clientes, não são parte da rede de comércio entre empresas.

Mas nos EUA há muitos restaurantes que aceitam escambo para pagamento de refeições, o que mantêm suas mesas ocupadas nos dias de baixo movimento. Alguns optam pelo escambo de bens de que precisam.

ABACAXI E CAIXÃO

Na trattoria florentina, os proprietários preferem trocar refeições por comida.

"Vinho, legumes, batatas, qualquer coisa que possamos usar", diz Faggioli, que tem nas mãos um abacaxi trazido por um cliente. Um aposentado que tem uma horta se tornou cliente regular.

"Estamos comendo aqui em troca de duas garrafas de vinho. É uma grande ideia para Florença ou qualquer outro lugar", diz Rosella Testa, uma cliente do restaurante.

Um casal que levou uma garrafa de vinho Barbera e uma de licor de amêndoas pagou apenas € 28 por um jantar de € 48, com "pici", tripa, grão de bico e sobremesa.

"Os preços são justos, e as porções, grandes", diz Francesco "Frank" Francini, outro dos sócios, acomodando um grupo a uma mesa.

Mas os clientes precisam ficar atentos: os toscanos são bons negociantes e nem todas as transações são aceitas.

Um casaco com etiqueta de preço de 400 mil liras (cerca de € 200) foi recusado por estar muito fora de moda, e um grupo do norte da Itália que ligou para oferecer um caixão também não deve ser aceito.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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