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Brasil começa a acordar para a inovação

Essa é a avaliação de Anthony Knopp, brasileiro que faz a ponte entre o centro de pesquisa MIT e a iniciativa privada

Especialista questiona dependência do país a juros, o que prejudica investimentos em novos projetos

NELSON DE SÁ
ARTICULISTA DA FOLHA

O brasileiro Anthony Knopp é responsável pela ponte entre o MIT (Massachusetts Institute of Technology), um dos principais centros de pesquisa nos EUA, e as empresas. No momento em que "inovação" vira palavra mágica para governo e empresas no Brasil, descreve como o MIT inova, na prática.
Questiona a burocracia no Brasil, a dependência que bancos e empresas têm dos juros, deixando de financiar inovação, e até a falta de meritocracia nas universidades. Mas avalia que as empresas já começam a reagir, diante da concorrência global.

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Folha - Na relação com as empresas, como é a divisão dos lucros de uma patente?
Anthony Knopp - Basicamente, para tudo que é inventado numa universidade nos EUA, pela lei, ela é dona da propriedade intelectual.

Agora, os lucros são divididos entre o professor, o estudante, se tiver, o departamento e a universidade. A empresa que dá recursos para a pesquisa não ganha aí.

Como ela ganha?
Ela tem direitos exclusivos de licenciamento. Pode licenciar a propriedade intelectual, se quiser. O MIT licencia e ganha royalties.

Vêm daí os recursos do MIT?
O orçamento do MIT por ano é US$ 2,4 bilhões. Nos últimos 10 ou 15 anos, a média de lucro que o MIT fez licenciando patentes foi de US$ 70 milhões. Não é nada, é pipoca que cai no chão. O que o MIT faz é conseguir que 25 mil empresas tenham sido iniciadas por pessoas dentro dele. E que mais de 3,3 milhões sejam empregados por elas. A relação do MIT com o mundo industrial não é em torno de patente. Ela faz parte, mas o que acontece é que ideias e pessoas saem daqui, começam indústrias.

Esses US$ 2,4 bilhões são só para pesquisas?
É o orçamento geral. US$ 1,4 bilhão vai para pesquisa.

De onde vêm os recursos?
Desse US$ 1,4 bilhão, 80% é dinheiro público. Mas o importante é que é competitivo. O governo diz "temos interesse em energia geotérmica", e várias universidades e empresas concorrem. Do resto, 15% vêm da indústria e 5% vêm de fundações.

O MIT é um modelo que provou dar certo.
Que funciona, exato.

O que o Brasil poderia fazer, para adaptá-lo?
É uma pergunta complicada. Eu sou um gringo carioca. Saí aos 18 e moro nos EUA há 40 e tantos anos. Ainda tenho passaporte brasileiro, então posso falar. Um dos desafios é que o Brasil tem cultura ibérica. Quer dizer: tudo precisa ter uma regra, um processo, tem que ser permitido.
E os bancos fazem mais dinheiro emprestando para Brasília do que para um cara que quer começar uma nova ideia. Conheço empreendedores no Brasil e, para todos, o mais difícil é ir a um banco, por serem pequenos, terem um só sucesso, não 25. Se você tem 22 anos, quer iniciar uma empresa de internet e precisa de R$ 100 mil, não tem ninguém. Aqui eles formam fila para dar esse dinheiro.
Ainda se tem a universidade como lugar de resistência à iniciativa privada.
Eu estive no Brasil, eu entendo. Mas isso é de 50 anos atrás. É dentro da universidade que há gente pensando, que tem a possibilidade de arriscar, pensar diferente. E no fim do dia o nome do jogo é criar emprego. Para isso, você tem que criar uma máquina econômica, indústria, novas ideias. Tem muita energia na universidade. É preciso abrir as portas.

O MIT tem relação com universidades dos emergentes?
Tem muitas. No MIT, estamos nos EUA, mas mais de 30% dos professores nasceram e foram formados em outros países. E 35%, 40% dos pós-graduados são de fora. Hoje temos interação com China, Coreia do Sul, nas próximas semanas vai sair uma grande com a Rússia.
Com o Brasil, há uma relação histórica com o ITA, em São José dos Campos, que gente do MIT ajudou a criar.

Você falou que as empresas preferem os juros altos que o governo paga a investir em inovação. Elas também precisam mudar?
A resposta curta é sim, mas é um pouco mais complicado. Há 15 anos tento trazer empresas brasileiras para interagir com o MIT. Não havia nenhuma, hoje temos dez. O que está acontecendo é que o Brasil emergente, sendo mais global, começa a ver a importância da academia. A Embraer é um exemplo. Ela entende que os concorrentes estão envolvidos com universidades, no mundo todo. Por isso está não só no MIT, mas em Southampton, na França e em outras. A Vale também.

Se tivesse que apontar uma instituição em que vê potencial para interação, qual seria?
É outra pergunta complicada. Posso falar, pelo meu envolvimento aqui do trabalho, da fundação Certi, de Florianópolis, e da agência Inova, da Unicamp.
O MIT é uma meritocracia, o que é muito importante para o MIT. Quer dizer, vocês aí têm o famoso vestibular, então quem entra na USP é o melhor etc. etc. Mas eu não tenho certeza se a meritocracia desses lugares é meritocracia mesmo. Aqui no MIT você pode ser preto, branco: a única coisa que conta é o que você tem entre as suas orelhas. Eu perguntaria quais são as universidades que estão a fim de competir. Isso me dói, a cada ano eu vejo o que chamam aqui de "league tables" [tabelas de campeonato], quem está em primeiro, em segundo, entre as universidades do mundo. O Brasil não faz parte.

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