Índice geral Mercado
Mercado
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Marion Strecker

Occupy Wall Street e a web

Não há uma central do Occupy; em cada lugar ele se organiza de um jeito, muito arrumado e pacífico

Não pretendo escrever sobre política no caderno Mercado, o assunto é um pouco irritante, mas desde 17 de setembro pessoas protestavam e acampavam numa praça perto de Wall Street, Nova York, rua símbolo do poder econômico dos Estados Unidos.
A história é cheia de contradições, a começar pelo fato de essa praça, Zuccotti Park, não ser pública, e de seu dono ter decidido deixar a manifestação rolar, no começo, a despeito do que a polícia fez nesta semana a mando do prefeito.
O inverno está chegando aqui nos EUA. Até já nevou em Nova York, mas o protesto continua. Não só continua como aumenta e se espalhou por centenas de outras cidades do país, como San Franciso e sua vizinha Oakland, onde dois jovens veteranos da Guerra do Iraque foram feridos pela polícia em tentativa de desocupação. Que ironia.
O Occupy chegou também a universidades como a da Califórnia e a mítica Harvard, na Costa Leste, onde só se pode entrar no acampamento com carteirinha!
E o movimento ainda transbordou as fronteiras dos EUA e pipocou em outros países, chegando à velha Europa e até mesmo ao emergente Brasil, como se sabe.
Quem organiza esse movimento e por quê? A resposta militante: "Nós somos os 99%", frase que virou o slogan. Os 99% de uma população em que o 1% mais rico fica cada vez mais rico, enquanto os demais empobrecem.
Não há uma central do movimento. Em cada lugar o Occupy se organiza de um jeito. Aqui na Califórnia, onde minha vista alcança, com os manifestantes vêm os voluntários, doadores e/ou organizadores, que tratam de instalar banheiros químicos, barracas de comida grátis, essas coisas. Tudo muito arrumado e pacífico -quando a polícia ou algum maluco não extrapola.
Entre os que protestam não estão somente desempregados, sem-teto e hippies, mas também estudantes e professores universitários, além de liberais de diferentes matizes. Até políticos (maioria democrata) aparecem para aproveitar a chance de aparecer na fita e angariar votos, como aconteceu com o recém-reeleito prefeito de San Francisco.
Minha impressão é que a imprensa americana demorou para dar a devida atenção ao Occupy e parece que muita gente está torcendo para que o movimento acabe como começou: rapidamente e do nada.
Do nada? Calma lá! Entre os motivos dos protestos estão desemprego, a desigualdade social, a insaciedade lucrativa das corporações (em particular dos bancos), a corrupção no governo e os lobistas que atuam para defender interesses privados com o poder público.
Mas cada um tem seus motivos para protestar. Então há protestos contra a destruição do planeta, o aquecimento global, o consumismo em geral etc.
Só que ao mesmo tempo em que o Occupy cresce, os bancos americanos tentam arrancar mais dinheiro do cliente, criando taxas para serviços antes gratuitos ou aumentando o preço de serviços já cobrados.
O Bank of America, entre outros grandes bancos, tentou taxar seus clientes por usar cartões de débito. A grita foi tão grande que o banco voltou atrás.
Agora o plano mudou. Em vez de fazer a coisa com tanta obviedade, as taxas aparecem de surpresa. Perdeu o cartão de débito? No Bank of America um novo custa US$ 5, no prazo "normal" de entrega, ou US$ 20, se você tiver pressa.
Parênteses: o sistema bancário americano é lentíssimo se comparado ao brasileiro, crescido e graduado pelos tempos de inflação alta.
Dizem os analistas que para recuperar o lucro anterior à atual crise os bancos precisam arrancar entre US$ 15 e US$ 20 a mais por cliente. Os bancos arregaçaram as mangas. Todas as oportunidades de aumentar a receita estão sendo esquadrinhadas. É da essência do capitalismo, não é?
E parte do público responde, criando campanhas com dia marcado para ir a grandes bancos e retirar seu dinheiro, já que a taxa de juros nos EUA não é nada mesmo.
Occupy é política movida pela pólvora da má economia. Democracia voltando às origens: a praça pública. Mas me lembra demais a internet: não tem um poder central, se desenvolve de modo imprevisível, em direções e em ritmos que não conhecemos antes de acontecer.

MARION STRECKER é jornalista, cofundadora do UOL e sua correspondente em San Francisco.

AMANHÃ EM MERCADO:
Luiz Carlos Mendonça de Barros

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.