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Análise potencial da economia

Anular efeito de preços muda debate sobre modelo de crescimento

Taxa de investimento brasileira está hoje no seu pico em quase duas décadas e a economia não está fechada

Afirmar que o potencial de crescimento brasileiro despencou nos últimos 2 anos soa conflitante com os números

BRÁULIO BORGES ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma mentira, contada repetidas vezes, pode se tornar verdade? Parece que sim, quando a discussão envolve o "modelo" de crescimento da economia brasileira dos últimos anos.

Diante da frustração com o desempenho econômico no último biênio (sobretudo em 2012), tornou-se lugar-comum afirmar que o modelo de crescimento baseado em consumo ("demanda") se esgotou e que seria preciso migrar para um novo paradigma, puxado por investimento e produtividade ("oferta").

Mas os dados simplesmente não corroboram esse diagnóstico do passado recente.

A tabela apresenta a evolução da participação dos componentes da demanda no total do PIB brasileiro nos últimos anos. O "truque" aqui é calcular esses percentuais a preços constantes de algum ano (escolhi o ano de 2000 por se tratar da atual base das contas nacionais brasileiras), e não a preços correntes (como o IBGE divulga).

Por que fazer isso? A observação das participações em valores correntes mistura mudanças de preços com mudanças de quantidades.

Como os índices de preços de cada um dos componentes da demanda sempre se movem em velocidades distintas, isso pode gerar uma limitação analítica importante: as participações calculadas a partir de valores correntes não captam adequadamente a dinâmica das quantidades, que é a mais relevante quando se fala de crescimento econômico.

A tabela mostra que o consumo das famílias elevou seu peso no PIB em quase cinco pontos percentuais entre 2004-2008 e 2011-2012.

Mas, no mesmo intervalo de tempo, a taxa de investimento (razão entre a formação bruta de capital fixo e o PIB) se elevou em 3,1 p.p. e se situou, no último biênio, no patamar mais elevado da atual série histórica das contas nacionais (iniciada em 1995).

Ou seja, eles avançaram juntos (embora o consumo familiar em velocidade maior).

Como a soma dessas participações sempre tem que ser igual a 100, outros componentes necessariamente tiveram que perder peso.

Foi o caso do consumo do governo (conceito que engloba apenas as despesas de custeio do governo, não incluindo os investimentos governamentais e das empresas estatais nem as transferências de rendas às famílias), que encolheu em 0,4 p.p.

As exportações de bens e serviços perderam 0,8 p.p. E as importações de bens e serviços -que entram no cômputo do PIB com sinal negativo, por corresponder a uma produção feita no exterior- elevaram sua participação em quase 7 p.p.

Com efeito, esses números revelam o seguinte: 1) a taxa de investimento brasileira está hoje no seu pico em quase duas décadas; e 2) nunca a economia brasileira foi tão aberta ao exterior -bens e serviços importados chegaram a 19,5% do PIB em 2011-2012, ante 12,8% em 2004-2008, 12,5% em 1995-2010 e percentuais muito inferiores nas décadas anteriores.

Ora, sabemos que a capacidade de crescimento sustentada de uma economia (o famoso PIB potencial) depende de investimentos em ativos fixos, demografia e ganhos de produtividade -e esses últimos, por sua vez, estão fortemente relacionados ao grau de abertura da economia de um país, entre outros fatores (como nível de educação/treinamento e gastos em P&D).

Diante disso, afirmar que o potencial de crescimento brasileiro despencou de 4% para 3% ou menos nos últimos dois anos -sem que tenha acontecido alguma guerra, desastre natural ou epidemia no meio do caminho- soa conflitante com os números expostos acima. Isso não quer dizer que novas medidas para estimular os investimentos e aumentos de produtividade não sejam bem-vindas -afinal, o Brasil ainda investe menos do que a média internacional (sobretudo em infraestrutura) e o nível de nossa produtividade também não é dos melhores.

Mas é importante que o debate tenha como ponto de partida o diagnóstico correto, e não ideias desconectadas da realidade.


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