São Paulo, domingo, 01 de maio de 2011

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ANDRÉS VELASCO

Espectadores inocentes


Os emergentes da AL, da Ásia Oriental, da África e da Europa Oriental são esses espectadores inocentes


SE VOCÊ pegar um táxi em São Paulo hoje em dia, experimentará o tráfego enlouquecedor e as ruas mal cuidadas de uma metrópole de país emergente. Mas, quando chegar a hora de pagar a corrida, talvez sinta que está em Boston ou em Zurique: o valor do real, como o das moedas de muitos países de mercado emergente, é alto -e pode subir ainda mais.
Moedas fortes criam países fortes, costumava dizer uma conhecida autoridade econômica dos Estados Unidos. Muitos países emergentes exportadores, na luta por manter clientes nos debilitados mercados norte-americanos e europeus, acreditam no contrário.
Por décadas, os países em desenvolvimento sonharam com o nirvana de preços elevadíssimos para as commodities acompanhados pelas mais baixas taxas internacionais de juros. Mas talvez os ministros das Finanças em Lima, em Bogotá, em Pretória ou em Jacarta devessem ter sido mais cuidadosos quanto àquilo que desejavam.
O problema? Uma invasão de influxos de capital de curto prazo em fuga diante do crescimento lento e das taxas de juro baixas vigentes nos países avançados.
Em uma reunião em Calgary, em março, o BID reportou que US$ 266 bilhões entraram nas sete maiores economias latino-americanas em 2010, ante menos de US$ 50 bilhões por ano na média do período de 2000 a 2005. E, enquanto apenas 37% do influxo em 2006 podia ser classificado como "hot money" (capital que pode deixar o país a qualquer minuto), em 2010 a proporção do "hot money" subiu para 69%.
O que está acontecendo? Os países emergentes da América Latina, da Ásia Oriental, da Europa Oriental e da África são espectadores inocentes no cabo de guerra entre EUA e China quanto ao câmbio e ao desequilíbrio no comércio. E são os espectadores que estão absorvendo alguns dos golpes mais dolorosos.
Já há uma década, a economia mundial vem sofrendo com imensos desequilíbrios internacionais: superavit maciços em países como China, Japão, Alemanha, Suíça e as nações produtoras de petróleo, equiparados a deficit externos igualmente pesados nos EUA, no Reino Unido, na Espanha e em outros.
Os desequilíbrios foram reduzidos temporariamente devido à queda de demanda causada pela crise financeira internacional nos EUA, no Reino Unido e em outros países.
Mas, a partir de 2010, os desequilíbrios retornaram e, de acordo com o FMI, não se reduzirão até 2016.
Os comunicados do G20 vêm repetidamente prometendo garantir "ajuste" e "recuperação do equilíbrio" na economia mundial, mas essas promessas se provaram vãs. Sistemas financeiros ainda fragilizados e imensos deficit fiscais estão impedindo que os países ocidentais deficitários (especialmente os EUA) elevem sua demanda interna.
E a falta de interesse em abrir mão de seu crescimento baseado em exportações exerce o mesmo efeito sobre os países superavitários do Oriente (especialmente a China).
Como resultado, os países emergentes, de acordo com o FMI, viram-se pressionados a arcar com "parcela desproporcional do fardo, no que tange a reequilibrar a demanda, depois da crise".
Os países que registram superavit acumulam imensos estoques de ativos estrangeiros, e esses recursos precisam ser investidos em algum lugar. Antes da crise, parcela substancial desse dinheiro era investida em imóveis nos Estados Unidos, na Espanha ou na Irlanda.
Hoje, esse mercado morreu e o dinheiro precisa procurar outro destino. A Europa, que sofre tremenda crise bancária e de dívida, não é um destino atraente, e a política monetária frouxa dos EUA resultou em rendimentos baixíssimos para os títulos do Tesouro do país. Como resultado, muitos países emergentes, com suas taxas de juros mais altas e perspectivas de crescimento promissoras, tornaram-se irresistivelmente atraentes aos investidores.
Nenhuma dessas políticas tem custo zero. São respostas locais, e menos que ideais, a um mecanismo ineficiente (ou inexistente) de ajuste internacional. Um sistema melhor para reequilibrar a economia mundial é tão necessário quanto improvável. Tudo que podemos esperar é mais um comunicado do G20.

ANDRÉS VELASCO, ministro das Finanças do Chile (2006 a 2010), ensina administração pública na Kennedy School of Government, Universidade Harvard.

Este texto foi distribuído pelo Project Syndicate.
Tradução de PAULO MIGLIACCI


AMANHÃ EM MERCADO:
Maria Inês Dolci



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