São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2010

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FAN GANG

A poupança da China


A China deveria usar sua poupança para melhorar sua infraestrutura e acelerar a urbanização

O ÍNDICE nacional de poupança da China vem sendo bastante elevado nos últimos anos e equivalia a 52% do PIB em 2008 (o ano mais recente com estatísticas disponíveis).
Muitas vezes lhe foi atribuída a culpa pelos desequilíbrios mundiais. Países que poupam demais exportam demais, de acordo com a sabedoria convencional, o que resulta em deficit comerciais elevados e reservas cambiais crescentes.
Mas isso nem sempre é verdade. Por exemplo, se poupo US$ 100, mas invisto o mesmo montante no ativo fixo da minha fábrica, estou equilibrado em termos domésticos.
Um exemplo como esse descreve a situação econômica recente da China. No final de 2009 e começo de 2010, o índice chinês de poupança poderia perfeitamente ter ficado em 50% do PIB, caso o superavit comercial do país não tivesse se contraído significativamente.
De fato, a China registrou deficit comercial ao longo de parte desse período porque o alto investimento em ativos fixos (graças às políticas de estímulo implementadas depois da crise financeira) alimentou a demanda interna por bens da mesma maneira que um índice de consumo privado mais elevado afetaria.
O "superavit de poupança" só se manifesta na balança comercial quando um país investe em ativos fixos um montante menor do que poupa. O país só opera com deficit comercial quando investe muito e não limita o consumo.
Poupança, evidentemente, nunca é prejudicial. Caso os norte-americanos e europeus tivessem economizado mais, poderiam não ter criado os desequilíbrios mundiais que alimentaram a crise financeira.
E poupança é especialmente positiva nos países em desenvolvimento. Um dos desafios para as nações pobres é a necessidade de acumular capital de investimento sob condições de baixa poupança e sem incorrer em dívida externa excessiva.
Mesmo para uma economia em desenvolvimento com renda per capita anual da ordem dos US$ 3.000, como a da China, ampliar o patrimônio da classe média continua a ser uma questão central.
Promover o maior crescimento de empresas de pequeno e médio porte, melhora de infraestrutura e urbanização mais rápida são tarefas vitais, e isso requer muita poupança.
Em qualquer forma significativa de comparação internacional, o volume de capital físico per capita na China continua de 8 a 10 vezes inferior ao disponível em países como Estados Unidos e Japão. Sem um índice de poupança relativamente elevado, um país em desenvolvimento como a China pode se tornar incapaz de reduzir essa disparidade.
Se um país em desenvolvimento tem poupança elevada (a despeito dos esforços atuais por um aumento do consumo) como resultado de fatores estruturais, a melhor estratégia não seria reduzir a poupança por meio de "choques externos" de curta duração, tais como uma valorização dramática da taxa de câmbio, que pode eliminar indústrias exportadoras da noite para o dia.
Em lugar disso, a poupança deveria ser ainda mais canalizada para o investimento interno.
Por exemplo, a China deveria usar o alto índice de poupança a fim de melhorar sua infraestrutura e acelerar a urbanização, o que deitaria uma fundação mais firme para o futuro desenvolvimento.
A poupança pode permanecer elevada, enquanto o consumo cresce em ritmo moderado, e a balança comercial seria conservada sob controle dada a demanda ampliada por bens de capital importados.
Caso a China persista nesse rumo, seu superavit externo se reduzirá ainda mais, se as demais condições permanecerem inalteradas.
Mas esses objetivos podem ser buscados por meio de políticas internas cujo objetivo seria a promoção de mudanças estruturais, e não por políticas externas como uma valorização da taxa de câmbio. Sem mudanças estruturais internas, a valorização cambial não só solaparia as exportações, mas reduziria as importações, graças ao maior desemprego e à renda mais baixa.
A China precisa reconhecer que a poupança alta não vai oferecer crescimento estável em longo prazo. Dados os termos de comércio internacional sob os quais a China opera, um crescimento sem alta no consumo interno será insustentável.


FAN GANG é professor de economia na Universidade de Pequim e na Academia Chinesa de Ciências Sociais. Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate. Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO: Gustavo Cerbasi


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