São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2011

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ENTREVISTA DA 2ª IRWIN JACOBS

Celular será extensão do cérebro, aponta inventor

CRIADOR DA QUALCOMM, MAIOR EMPRESA DE CHIPS PARA APARELHOS MÓVEIS, DIZ QUE ESSA TECNOLOGIA VAI REVOLUCIONAR A EDUCAÇÃO

ROBERTO DIAS
ENVIADO ESPECIAL A SAN DIEGO

Um aparelho que reconhece com quem você está falando e lista as últimas vezes que encontrou essa pessoa. Ou que permite conversar em português com alguém que só se comunica em inglês. E que, de quebra, armazena e reproduz filmes.
Mais e mais, todas essas funções estarão agregadas num único e velho conhecido: o celular.
É o que sinaliza Irwin Jacobs, um pioneiro dessa tecnologia. Ele inventou o CDMA, um dos mais importantes padrões de transmissão dos celulares. Criou a Qualcomm, empresa que é a maior desenvolvedora mundial de chips para aparelhos móveis.
Ex-professor universitário, Jacobs estabeleceu-se há anos na lista das pessoas mais ricas do mundo (a revista "Forbes" estima sua fortuna em US$ 1,6 bilhão).
E, sobrevivente de uma forma rara de câncer na glândula parótida, diz não ser possível afirmar com segurança que a tecnologia móvel é segura para a saúde -neste ano, a OMS listou o celular como um possível agente cancerígeno.

 

Folha - Em que sentido o mundo móvel é diferente da internet tradicional?
Irwin Jacobs -
Mais e mais pessoas vão acessar a internet com dispositivos móveis. Especialmente em países em desenvolvimento, muitos jamais terão aquela conexão doméstica de internet.

Como a tecnologia móvel pode mudar a educação, e que velocidade terá isso?
Acho que na próxima década os tablets vão fazer muita diferença. Ainda temos que aprender como organizar melhor o texto eletrônico, mas certamente será mais fácil manter os livros atualizados e ter materiais diferentes.
E será mais personalizado. Se tiverem problemas, os alunos poderão buscar mais informações, mais vídeos, o que seja, e, assim que tirarem a dúvida, irão adiante.

Alguns Estados americanos estão abolindo a escrita cursiva. Não faz mesmo diferença se as crianças souberem escrever apenas num tablet?
As pessoas ainda vão escrever de alguma forma, em letra de forma ou cursiva. Mas, sim, vamos escrever cada vez mais num aparelho.
É muito mais importante para a educação o acesso que as crianças terão a tanta informação, estar exposto a tudo o que está acontecendo no mundo. É preciso aprender como organizar isso, como filtrar, no que confiar.
É uma educação completamente diferente do que simplesmente aprender a escrever em cursiva.

Certa vez lhe perguntaram se não estaríamos "exportando" nosso cérebro para o celular, e o sr. disse que isso é bom. Poderia explicar?
Há muita informação que carregaremos conosco todo o tempo. Eu mesmo nunca fui bom em guardar frases e nomes. O próximo passo, que tem se desenvolvido rapidamente, é ter uma câmera nos seus óculos ou talvez algo no seu ouvido que, quando uma pessoa for falar com você, vai lembrá-lo dos últimos contatos que vocês tiveram. Para alguns, seria uma bênção.
Hoje em dia é difícil haver um jantar com muitas pessoas em que você não tire seu celular para buscar uma ou duas coisas que você não compreendeu de pronto.

Por outro lado, o celular talvez esteja dando mais poder às pessoas, como vimos no mundo árabe. A China agora quer controlar o acesso wi-fi. É possível?
China e outros países vão sim tentar controlar o acesso. Isso provavelmente vai ser uma batalha perdida [para esses governos]. O crescimento econômico e a questão educacional vão exigir que a internet esteja amplamente disponível.
Um dos próximos passos é ampliar a comunicação de pessoa a pessoa, em distância curta. Daí chegaremos a um ponto que um governo não pode controlar.

A OMS acaba de dizer que o celular pode provocar câncer. Isso vai afetar a indústria?
Acho que não, a menos que exista uma prova. Temos que continuar a monitorar isso, é sempre uma preocupação. Mas creio que a probabilidade de encontrarmos algum perigo será cada vez menor.
Há dois fatores. Um é que existem cada vez mais estações, o que significa que é necessário menos potência para irradiar. Mas o outro lado da moeda é que, se você está baixando muitos dados, precisa de mais potência.
Eu próprio me sinto confortável, nem penso duas vezes em usar o celular ou aconselhar as pessoas, mas sempre advirto que não há maneira de provar que algo é seguro.

Há algo que a indústria possa fazer para reduzir o risco?
Buscar mais eficiência significa usar menos energia.

A lei de Moore ainda vale? [diz que a capacidade de processamento dos chips dobra mais ou menos a cada dois anos]
Ainda vale, e acho que continuará válida por mais algumas gerações. O poder de processamento dos celulares tem evoluído de maneira incrível. A maior parte das coisas que fazemos será feita num aparelho que carregaremos conosco.
Em algum momento poderemos querer uma tela maior. E quando entrar na sua casa ou num quarto de hotel, você poderá transferir os dados para aquela tela. [Mas] a inteligência estará no celular.

Muita gente argumenta que a realidade aumentada é uma moda que não será útil para as pessoas. O sr. concorda?
Estamos indo para um ponto em que eu posso falar em inglês num celular e você pode me ouvir em português. Com a realidade aumentada, se você vai para um país onde não pode ler as placas, aponta o telefone para elas e o aparelho traduz. Você pode ir a um restaurante e traduzir o cardápio.

Há quem diga que Zuckerberg [fundador do Facebook] não tinha noção do tamanho do que estava criando ao fazer uma rede social em Harvard e do poder do botão curtir. É assim que funciona a inovação?
Você começa a pensar qual o tamanho do mercado que tem e passa a reduzi-lo para construir um negócio.
Sempre me lembro que a AT&T e os Bell Labs inventaram o celular. Daí contrataram uma consultoria para estimar quantos assinantes poderia haver no ano 2000. E a resposta foi: 1 milhão.
Porque na época era um aparelho grande e caro. Com isso eles decidiram não entrar no negócio de celulares, apesar de terem a tecnologia.
Se você acredita em algo, ainda que outros zombem de você, eu diria para fazer o teste das 4h. Se você acorda às 4h e a sua ideia continua fazendo sentido para você, então corra atrás.

Em algum momento os aparelhos eletrônicos voltarão a ser produzidos nos EUA?
Acredito que sim. Os custos trabalhistas têm tido muita importância, mas, se você pensar, a produção está cada vez mais automatizada. Teremos pessoas muito mais bem pagas, mas menos pessoas. Isso permitirá que as fábricas voltem.
Acredito também que o preço da energia subirá muito. O custo de mandar um celular da Ásia para os EUA provavelmente ainda é baixo, mas, para muitas outras coisas, como carros, isso se torna muito caro com o aumento da energia.

A Foxconn anunciou investimentos no Brasil. Esse movimento faz sentido para o sr.?
O Brasil tem impostos muito altos para importados. Com o tamanho do Brasil e com a melhoria econômica, faz sentido produzir no país. Baixa o preço.

O jornalista ROBERTO DIAS viajou a convite da Qualcomm.


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