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MARIO MESQUITA
A autonomia do Banco Central
A autonomia formal do BC traria avanço considerável, com ganho fiscal evidente; esta é a hora de avançar
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A ESCOLHA do presidente do BC no
novo governo, apesar de ter um desfecho natural, acabou gerando nervosismo desnecessário no mercado
e pode ter contribuído para o aumento das expectativas de inflação
observado nas últimas semanas.
Isso porque, apesar de estar agindo com autonomia operacional na
prática desde 1999, o funcionamento do BC, em especial no que se refere à política monetária, ainda parece depender de forma exagerada de
personalidades, especificamente da
relação entre o presidente do banco
e o presidente da República.
Ainda que esse arranjo venha se
mostrando efetivo, visto que o BC
tem conseguido manter a inflação
alinhada à trajetória de metas nos
últimos anos (ajudado pelo fato de
que essas são muito elevadas), há
claramente espaço para melhorar,
reforçando o arcabouço institucional do regime.
A autonomia do BC é condição
necessária para o regime de metas
para a inflação porque o combate às
pressões inflacionárias pode ter custos que os governantes do dia podem, por considerações políticas de
curto prazo, resistir a pagar.
Isso porque os ganhos decorrentes da estabilidade monetária, em
termos do aumento da previsibilidade, da ampliação do horizonte de
planejamento das empresas e das
famílias, desenvolvimentos que fazem a economia funcionar melhor,
podem acabar só se materializando
depois do final do mandato do governante. Além disso, é sabido que a
política monetária atua sobre a economia com defasagens longas e variáveis, o que sugere desvincular o
seu processo decisório do calendário eleitoral.
Note-se que despolitizar institucionalmente as decisões de política
monetária nada tem de antidemocrático. O objetivo do BC deve continuar sendo estabelecido pelas autoridades eleitas, e o BC deve continuar prestando contas ao Congresso, como já faz. Com mandatos protegidos por lei, seria possível passar
a divulgar votos individuais no Comitê de Política Monetária, o que,
sob o arcabouço institucional vigente, não passa de tentativa canhestra
de coagir seus membros.
Ainda nessa questão, o Reino
Unido, a Alemanha, a França, a Suíça, a Suécia, os EUA, o Chile e o Japão têm BCs com autonomia legal.
Na Argentina, na China e na Rússia
os BCs não dispõem de autonomia.
O leitor pode decidir quais são os
países mais democráticos da lista.
A falta de autonomia formal do
BC não é tema acadêmico, tem relevância e custos na prática. Com
maior incerteza sobre a real capacidade do BC de desempenhar suas
funções, os investidores (na prática,
todos aqueles que têm aplicações financeiras) requerem maior proteção, sob a forma de taxas de juros
mais elevadas.
O efeito da adoção da autonomia
legal do BC sobre as taxas de juros
de mercado ficou evidente no caso
britânico. O Reino Unido adotou o
regime de metas para a inflação em
1992, mas até a eleição do governo
trabalhista em 1997 o Banco da Inglaterra ainda não tinha autonomia
formal.
O novo governo, de esquerda diga-se de passagem, anunciou prontamente que o Banco da Inglaterra
teria autonomia legal, o que tornou-se realidade com uma lei aprovada
em 1998. O anúncio da autonomia
provocou redução entre 0,6% e
0,7% ao ano nas taxas de juros incidentes sobre os títulos da dívida pública britânica.
No Brasil, dado nosso histórico de
volatilidade, de intervenção estatal,
de problemas fiscais, além de ainda
praticarmos taxas de juros mais elevadas (as taxas de mercado na Inglaterra estavam entre 7% e 8% ao
ano quando do anúncio da autonomia do BC), o impacto seria provavelmente muito maior.
Admitindo-se que fosse 1,4% e
considerando que a dívida pública
atualmente chega a algo como R$ 2
trilhões, o Tesouro economizaria
cerca de R$ 28 bilhões por ano no
pagamento de juros sobre a dívida.
Isso é mais de duas vezes o custo estimado do programa Bolsa Família.
A autonomia formal do BC, com
mandatos fixos e escalonados para
seus diretores, que não coincidam
com o calendário eleitoral, seria um
avanço considerável, efetivamente
alinharia o Brasil às melhores práticas internacionais e traria ganhos
fiscais evidentes. É chegada a hora
de avançar.
MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela
Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às
quartas-feiras, neste espaço.
AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Hohagen
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