São Paulo, quarta-feira, 01 de dezembro de 2010

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MARIO MESQUITA

A autonomia do Banco Central



A autonomia formal do BC traria avanço considerável, com ganho fiscal evidente; esta é a hora de avançar
A ESCOLHA do presidente do BC no novo governo, apesar de ter um desfecho natural, acabou gerando nervosismo desnecessário no mercado e pode ter contribuído para o aumento das expectativas de inflação observado nas últimas semanas. Isso porque, apesar de estar agindo com autonomia operacional na prática desde 1999, o funcionamento do BC, em especial no que se refere à política monetária, ainda parece depender de forma exagerada de personalidades, especificamente da relação entre o presidente do banco e o presidente da República. Ainda que esse arranjo venha se mostrando efetivo, visto que o BC tem conseguido manter a inflação alinhada à trajetória de metas nos últimos anos (ajudado pelo fato de que essas são muito elevadas), há claramente espaço para melhorar, reforçando o arcabouço institucional do regime. A autonomia do BC é condição necessária para o regime de metas para a inflação porque o combate às pressões inflacionárias pode ter custos que os governantes do dia podem, por considerações políticas de curto prazo, resistir a pagar. Isso porque os ganhos decorrentes da estabilidade monetária, em termos do aumento da previsibilidade, da ampliação do horizonte de planejamento das empresas e das famílias, desenvolvimentos que fazem a economia funcionar melhor, podem acabar só se materializando depois do final do mandato do governante. Além disso, é sabido que a política monetária atua sobre a economia com defasagens longas e variáveis, o que sugere desvincular o seu processo decisório do calendário eleitoral. Note-se que despolitizar institucionalmente as decisões de política monetária nada tem de antidemocrático. O objetivo do BC deve continuar sendo estabelecido pelas autoridades eleitas, e o BC deve continuar prestando contas ao Congresso, como já faz. Com mandatos protegidos por lei, seria possível passar a divulgar votos individuais no Comitê de Política Monetária, o que, sob o arcabouço institucional vigente, não passa de tentativa canhestra de coagir seus membros. Ainda nessa questão, o Reino Unido, a Alemanha, a França, a Suíça, a Suécia, os EUA, o Chile e o Japão têm BCs com autonomia legal. Na Argentina, na China e na Rússia os BCs não dispõem de autonomia. O leitor pode decidir quais são os países mais democráticos da lista. A falta de autonomia formal do BC não é tema acadêmico, tem relevância e custos na prática. Com maior incerteza sobre a real capacidade do BC de desempenhar suas funções, os investidores (na prática, todos aqueles que têm aplicações financeiras) requerem maior proteção, sob a forma de taxas de juros mais elevadas. O efeito da adoção da autonomia legal do BC sobre as taxas de juros de mercado ficou evidente no caso britânico. O Reino Unido adotou o regime de metas para a inflação em 1992, mas até a eleição do governo trabalhista em 1997 o Banco da Inglaterra ainda não tinha autonomia formal. O novo governo, de esquerda diga-se de passagem, anunciou prontamente que o Banco da Inglaterra teria autonomia legal, o que tornou-se realidade com uma lei aprovada em 1998. O anúncio da autonomia provocou redução entre 0,6% e 0,7% ao ano nas taxas de juros incidentes sobre os títulos da dívida pública britânica. No Brasil, dado nosso histórico de volatilidade, de intervenção estatal, de problemas fiscais, além de ainda praticarmos taxas de juros mais elevadas (as taxas de mercado na Inglaterra estavam entre 7% e 8% ao ano quando do anúncio da autonomia do BC), o impacto seria provavelmente muito maior. Admitindo-se que fosse 1,4% e considerando que a dívida pública atualmente chega a algo como R$ 2 trilhões, o Tesouro economizaria cerca de R$ 28 bilhões por ano no pagamento de juros sobre a dívida. Isso é mais de duas vezes o custo estimado do programa Bolsa Família. A autonomia formal do BC, com mandatos fixos e escalonados para seus diretores, que não coincidam com o calendário eleitoral, seria um avanço considerável, efetivamente alinharia o Brasil às melhores práticas internacionais e traria ganhos fiscais evidentes. É chegada a hora de avançar.


MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.
AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Hohagen



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