São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2010

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MARIO MESQUITA

Bancos centrais em transição?


Instituições debatem se é possível utilizar a política monetária para evitar cenário de vulnerabilidade

OS BANQUEIROS centrais, além das aprazíveis reuniões bimensais em Basileia, encontram-se em frequentes conferências.
A propósito, entre o final de maio e o final de junho, a comunidade dos banqueiros centrais (da ativa ou aposentados) terá tido quatro conferências importantes.
A primeira, organizada pelo Banco do Japão na semana passada, teve como tema o futuro dos bancos centrais sob a globalização. No início desta semana, o Banco da Coreia promoveu uma conferência sobre a mudança no papel dos bancos centrais.
Em junho, será a vez do Banco da Rússia, com a conferência sobre "Bancos Centrais e o Desenvolvimento da Economia Mundial: Novos Desafios e um Olhar à Frente", seguida pela conferência anual do BIS (Banco de Compensações Internacionais), o banco central e ponto de encontro dos BCs.
O tema desta será "O Futuro dos Bancos Centrais sob Mandatos Pós-Crise". A ênfase no tema da mudança sugere que os BCs estão em fase de autoexame e, possivelmente, de transição. As discussões nesses eventos cobrem ampla gama de tópicos. Um, recorrente, refere-se ao papel da política monetária na gestação da crise.
Isso porque, para um número crescente de analistas, essa seria ao menos em parte resultado de um período de taxas de juros excessivamente baixas e condições monetárias excessivamente acomodatícias, que, por sua vez, teria sido ocasionado pelo cenário inflacionário benigno vivido pelos Estados Unidos no início da década.
As condições monetárias relaxadas teriam ocasionado aceleração da inflação, não dos preços de bens e serviços, mas dos preços de ativos, em especial ativos imobiliários, com as consequências conhecidas.
Uma questão em debate, portanto, é se, e como, os BCs podem utilizar a política monetária para se antecipar a booms de ativos e crédito.
A ideia não é adotar metas para preço de ativos, mas evitar o surgimento de processos nos quais apreciação de ativos e relaxamento de condições de crédito se realimentem mutuamente, causando acúmulo de vulnerabilidades financeiras. A posição tradicional do Fed, emulada pelos outros bancos centrais, era a de não intervenção.
Uma justificativa era a de que é difícil determinar quando e em que medida preços de ativos se descolam dos fundamentos.
Outro argumento era o de que elevar a taxa de juros para conter processos de altas de preços de ativos e expansão creditícia, sem que existam riscos evidentes para a inflação, pode punir indevidamente a atividade econômica.
A essa visão se contrapunham as análises de economistas europeus, em especial no BIS, propondo que, além de medidas regulatórias e prudenciais, os BCs devem usar a política monetária para conter booms de ativos e crédito, aceitando desacelerações no curto prazo como o preço razoável a pagar para evitar crises financeiras e recessões profundas a médio prazo.
Sob o novo paradigma, além das questões tradicionais, como a existência de descompassos entre demanda e oferta e o estado das expectativas de inflação, as decisões dos BCs deveriam levar em conta a evolução dos preços de ativos e agregados de crédito, não apenas sob o ponto de vista de seus impulsos sobre a demanda, e assim sobre a trajetória futura da inflação, mas também dos possíveis riscos prudenciais.
Na prática, o que pode vir a ocorrer é BCs, na presença de desequilíbrios no setor real acompanhados por evidências de excessos nos mercados de ativos e crédito, adotarem políticas mais restritivas do que em ciclos passados -ou melhor, mais restritivas do que justificariam as considerações macroeconômicas usuais.
A visão dominante entre os BCs segue sendo que a primeira linha de defesa contra bolhas de ativos e crédito é a política regulatória. Contudo, os eventos dos últimos anos mostram que a atitude meramente reativa de política monetária diante de tais desenvolvimentos pode ser insuficiente, e, à medida que os BCs incorporem essa lição, alterações na sua calibragem não podem ser descartadas.


MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, passa a escrever quinzenalmente, às quartas, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Marion Strecker


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