São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2010

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CRÍTICA PUBLICIDADE

Estudo expõe contradições da propaganda brasileira

Livro analisa a evolução do discurso publicitário desde a ditadura militar

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Se você conseguir vencer a barreira da linguagem -um jargão universitário cinzelado com toques de marxismo-, encontrará em "A Nova Retórica do Capital - A Publicidade Brasileira em Tempos Neoliberais", de Maria Eduarda da Mota Rocha, uma leitura bastante informativa e instigante.
O livro traça um panorama da indústria da propaganda no Brasil desde o golpe militar de 1964 até mais ou menos o início dos anos 2000.
Ao relacionar a retórica publicitária aos desenvolvimentos políticos e à situação econômica, a autora explica de modo convincente as mudanças pelas quais passou o discurso propagandístico.
E elas não foram pequenas. Se, nos anos 70 e 80, as peças eram caracterizadas por uma espécie de enaltecimento do progresso e pela valorização do produto como promotor de status social, a partir de meados dos anos 90, o discurso neoliberal, embora vitorioso nos planos político e legal, perdeu pontos no imaginário popular.
As razões para essa perda de prestígio incluem desde ingredientes políticos, como a atribuição do fracasso do Plano Cruzado ao comportamento de alguns empresários, até propriamente econômicos, notadamente o processo de "commoditização" por que passaram diversos bens de consumo.
Na publicidade, isso se materializou numa linguagem que glorifica a qualidade de vida e a responsabilidade social das empresas.

"CASES"
Mota Rocha não se limita a teorizar sobre as mudanças, mas as demonstra através de uma profusão de exemplos.
É nessas passagens que o livro se torna uma divertida viagem no tempo, em especial para leitores com mais de 40 anos, que irão reencontrar campanhas que marcaram momentos de suas vidas.
Alguns dos anúncios podem até chocar as sensibilidades contemporâneas: "Veja como o gerente do seu banco vai se sentir quando você aparecer num Dodge Dart Sedan" (1971); "A vida é uma escada. Este é o degrau mais alto" (H. Stern, 1988); "Se todo mundo tivesse privilégio, o privilégio não existiria" (American Express, 1981).
Duplamente escandalosa tende a ser a propaganda de cigarros, por existir e pelo tipo de mensagem que transmitia: "Mais que um cigarro, um estilo de vida" (Hilton, 1971); "Fino como poucas coisas e elegante como certas pessoas" (Chanceller, 1980).
Se a retórica publicitária atual, na qual empresas exaltam suas virtudes cívicas e o consumidor é tratado como um sujeito inteligente que faz as escolhas que mais lhe convêm, não choca, é porque nos acostumamos a ela.
Olhando com maior distanciamento, entretanto, constatamos que ela mal esconde uma contradição, na qual o consumo é ao mesmo tempo incentivado e tratado como um valor menor, entre a futilidade e a amoralidade.

A NOVA RETÓRICA DO CAPITAL

AUTORA Maria Eduarda da Mota Rocha
EDITORA Edusp
QUANTO R$ 40 (272 págs.)


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