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OPINIÃO
A Era Lula vista no espelho dos indicadores sociais
MARCELO NERI
ESPECIAL PARA A FOLHA
A nova Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/
IBGE) representa ponto de
inflexão no modo como a sociedade do país se enxerga
no espelho dos indicadores
sociais.
Por exemplo, a pobreza é
menor na POF do que nas demais pesquisas, como a Pnad
-respectivamente, 10% e
16% da população dispõem
de renda per capita menor
que R$ 140 por mês.
Essa diferença se deve ao
fato de a POF captar a despesa não monetária, que corresponde a 13% da renda das
famílias em geral e o dobro
disso nas famílias pobres.
O numerário da medição
dos avanços sociais pós-POF
não será mais renda, e sim
consumo, que a POF é a única a captar. Esse é um ganho,
pois as pessoas extraem
bem-estar dos bens e dos serviços consumidos, e não do
valor de seus contracheques.
Em 2010, não haverá
Pnad, pois é ano de Censo, e
já em 2011 haverá uma revolução estatística, com a integração da Pnad, da PME e de
uma mini-POF em uma única
pesquisa trimestral.
Mais do que uma sopa de
letras e números, o novo sistema de pesquisas domiciliares "ibgeano" privilegiará o
consumo para integrar os
efeitos de políticas públicas
(programas sociais, aposentadorias etc.) e ações privadas no mercado (financeiro,
de trabalho etc.) ou fora dele
(não monetárias).
A POF não é uma bola de
cristal, mas permite antever
alguns dos mais sérios problemas brasileiros, medindo
peso e altura das crianças,
um indicador que não habitava nem os sonhos dos gestores públicos. Um país de
crianças nanicas e subnutridas no futuro será econômica
e socialmente nanico.
Além disso, a POF permite
olhar mais longe no espelho
retrovisor dos indicadores
sociais. Ela dá um retrato das
mudanças de prazo mais longo que a Pnad, a principal referência social no país. A primeira Pnad disponível é de
1976, e a primeira POF nacional data de 1974/75.
Há ainda ganho de atualização na POF, pois a Pnad
mais recente é de setembro
de 2008, e a POF, centrada
em janeiro de 2009.
A POF anterior é de 2002/
03, o que nos permite captar
o período de ouro cercado
por duas crises, iniciado naquela associada às incertezas
das eleições de 2002 -quando US$ 1 chegou a custar R$
4- e encerrado no pós-crise
externa de 2008. As duas últimas POFs permitem medição rica da chamada Era Lula. Se não vejamos:
O crescimento da renda familiar média divulgado pelo
IBGE é de 10,8% entre POFs.
Com a redução do tamanho
das famílias de 3,62 para 3,3
pessoas, a renda familiar per
capita, que é o que importa
para o bem-estar, cresce o
dobro: 21,7%. Esse número é
equivalente ao da Pnad.
A expansão do PIB per capita foi superada em oito
pontos percentuais pela renda calculada diretamente a
partir de pesquisas domiciliares como a Pnad e a POF.
Segundo a POF, a renda dos
10% mais pobres sobe 42,1%.
A dos 10% mais ricos, 13,3%,
ou seja, o bolo de renda cresceu, mas com mais fermento
entre os mais pobres.
Entre as duas últimas
POFs, a proporção de pessoas pobres cai de 18% para
10%. A POF é a única pesquisa a avaliar a evolução da
percepção das pessoas sobre
pobreza. A proporção de famílias que tinham dificuldade de chegar até o final do
mês com o orçamento caiu de
85% para 75%.
De maneira geral, indicadores subjetivos e objetivos
concordam que a imagem de
nossos problemas sociais
projetada na POF é ainda
grotesca, mas houve melhoras desde 2003.
O alto nível da desigualdade brasileira é como um astro
visível de outras partes do
globo. Se os cientistas sociais
fossem astrônomos e a renda
dos brasileiros fosse uma nuvem de estrelas, as últimas
POFs seriam o supertelescópio situado no lugar e no período certos para avaliar o
início dos seus movimentos.
MARCELO NERI, economista, é chefe do
Centro de Políticas Sociais vinculado à
Fundação Getulio Vargas.
mcneri@fgv.br
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