São Paulo, domingo, 03 de julho de 2011

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Espionagem, polícia e R$ 65 bi

Primeira discussão sobre a união que criaria o 'Carreçúcar' ocorreu em 2009, quando a rede Walmart tentou comprar a operação do Carrefour no Brasil

MARIO CESAR CARVALHO
TONI SCIARRETTA
DE SÃO PAULO

Suspeita de espionagem, busca da polícia na sede de uma das maiores corporações da França e a pretensão de dar aula de varejo para supermercadistas europeus de tradição centenária.
Os ingredientes fazem parte dos bastidores da maior transação do comércio varejista no país, que resultou na proposta de fusão de Pão de Açúcar e Carrefour. Se concretizado, o grupo terá receita de R$ 65 bilhões por ano.
Relato dos negociadores que conversaram com a Folha, sob condição de anonimato, revelam que o marco zero da discussão data de 2009, quando o Walmart, maior rede varejista do mundo, estava prestes a comprar o braço brasileiro do Carrefour, vice-líder do global.
Leia a seguir alguns dos principais episódios.

O SIGILO E O ESPIÃO
O sigilo é uma das maiores armas numa fusão. Daí o susto: "Como o Casino descobriu que estávamos conversando com o Carrefour?".
A pergunta em tom de espanto foi feita por um dos negociadores ao saber que o grupo francês Casino conseguira na Justiça uma ordem de busca de documentos na sede do Carrefour na França.
A busca ocorreu no mês passado, três semanas após os negociadores se reunirem com o Carrefour. Suspeita-se que o Casino tenha bisbilhotado as conversas.
A reunião secreta ocorreu em Paris, na quinta, 18 de maio. No domingo, dia 22, a revelação estava nos jornais.
No dia 24 passado, o Casino afirmou que sua suspeita fora materializada pelos papéis apreendidos no Carrefour. Dos 150 documentos, 22 eram sobre a costura feita entre Abilio Diniz e Carrefour.
Sócio do Pão de Açúcar desde 1999, o Casino acusa Abilio de ter violado acordo de acionistas ao buscar sócios sem seu conhecimento -o brasileiro diz que o acordo não proíbe isso.
Aliados de Abilio dizem que o presidente do Casino, Jean-Charles Naouri, tem uma agenda oculta -quer abortar um negócio que traria ganhos a todos para não perder o poder "comprado" para 2012.

WALMART E FUTEBOL
Em 2009, o Carrefour registrou um prejuízo de R$ 1,2 bilhão no Brasil, país em que costumava ter lucro. O cenário era tão desanimador que os investidores que comandam o Carrefour (Blue Capital e Colony) estavam dispostos a vender a operação brasileira para o Walmart.
Para evitar surpresas, Abilio mandou seu principal negociador a Paris para saber dos planos do Carrefour.
À época, o Colony, fundo de Qatar que comprou o time Paris Saint-Germain, tinha interesse em parceria para receber jogadores brasileiros.
Abilio e representantes dos investidores que controlam o Carrefour almoçaram em Milão. Foi a primeira vez, segundo a Folha apurou, que os investidores ouviram a proposta de fundir Carrefour e Pão de Açúcar.
Na última hora, o Carrefour desistiu do Walmart -mas a conversa de fusão com Abilio foi adiante.

COMO AFASTAR RIVAIS
A maior dificuldade para a negociação prosperar era evitar que Carrefour e Casino, rivais passionais na França, tivessem que sentar à mesma mesa. "Seria o fim de qualquer tentativa de acordo", afirma o negociador.
A Blue Capital, que tem 11% do Carrefour mundial, chegou a um acordo de quatro pontos com a Estáter, empresa focada em fusões:
1) os negócios no Brasil seriam divididos entre Pão de Açúcar e Carrefour na proporção de 50% cada um;
2) a empresa criada com dinheiro do BNDES teria parte do Carrefour na França;
3) a governança seria da empresa brasileira;
4) o acordo de acionistas seria feito fora do Brasil.

O FATOR BNDES
Percio de Souza, sócio da Estáter, tem bons contatos no BNDES. Ele ajudou a convencer o banco a pôr R$ 2,4 bilhões na Aracruz, após a empresa quase quebrar.
O BNDESPar teria aceitado entrar na fusão no fim de 2010, após sinalizar interesse pelo varejo. Abilio e Souza usaram dois argumentos para convencer o BNDES: o de que era um excelente negócio para o banco e o de que o Brasil ganharia projeção com a presença no varejo francês.
A margem de ganho do Pão de Açúcar é equivalente a sete vezes a do Carrefour.
Só com aumento de eficiência, o ganho da fusão soma 800 milhões por ano. É com essa conta que os brasileiros dizem que podem dar aula de varejo aos franceses.


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