São Paulo, quarta-feira, 04 de agosto de 2010

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

O outro lado do reverso


É possível que a política de aportes do Tesouro ao BNDES tenha resultado em taxas de juro mais elevadas

NÃO FIZ parte (até onde sei) de um governo que tenha quebrado o país; apesar disso, acredito que cabe voltar ainda uma vez ao tema dos créditos do Tesouro Nacional ao BNDES, abordado na minha última coluna.
Naquela oportunidade, explorei o custo associado àqueles aportes, expresso pela diferença entre a taxa de juros que o Tesouro paga por sua dívida e a taxa, bastante inferior, a que empresta esses recursos para o BNDES. Agora examino os possíveis benefícios dessa política, em particular a contribuição que possa ter dado para mitigar a recessão.
Há, por exemplo, quem afirme que, na ausência do apoio do Tesouro ao BNDES, a queda do PIB em 2009 não teria sido de apenas 0,2%, mas consideravelmente maior, em torno de 3%. Trata-se de afirmação audaciosa, que eu gostaria de ver submetida a uma análise quantitativa mais séria.
A bem da verdade, entre a eclosão da crise (setembro de 2008) e dezembro de 2009, o volume de crédito do Tesouro ao BNDES aumentou em cerca de 3% do PIB. No mesmo período, o montante de empréstimos do BNDES cresceu pouco menos que 3% do PIB. Só espero que a estimativa audaciosa acima não esteja baseada nesses valores.
A começar porque, como costuma acontecer, há defasagens entre medidas de política econômica e seus efeitos sobre o nível de atividade. Mesmo que determinada empresa tome, digamos, R$ 25 bilhões num dado mês (julho de 2009, por exemplo), ela dificilmente conseguiria transformar todo esse volume de crédito em dispêndio adicional naquele mês (e nem nos poucos meses seguintes, se pensarmos sobre o assunto uns dois segundos).
Assim, mesmo que os repasses do Tesouro ao BNDES tenham crescido cerca de 3% do PIB, não teriam provavelmente tempo de afetar o PIB em montante igual ainda em 2009.
Some-se a isso que praticamente 75% dos aportes ocorreram a partir de junho de 2009, quando a economia já se achava em plena recuperação. A produção industrial, por exemplo, crescera naquele mês pouco mais do que 10% relativamente a dezembro de 2008 (o fundo do poço no que se refere à produção industrial), atingindo expansão de 14% na mesma base de comparação em agosto.
O PIB no segundo e no terceiro trimestre crescia a um ritmo anualizado pouco superior a 6%, enquanto a demanda doméstica mostrava taxa de expansão correspondente a 10% ao ano. E foi precisamente nesse período (junho-agosto de 2009) que o saldo dos créditos do Tesouro ao BNDES saltou quase R$ 87 bilhões, de 1,7% para 4,5% do PIB.
Esse mesmo argumento pode ser estendido, de forma ainda mais veemente, para o desembolso (R$ 80 bilhões) ocorrido em abril de 2010, quando não pairava sequer sombra de dúvida acerca da recuperação da atividade e o debate já havia se movido para os riscos de sobreaquecimento. Qualquer que tenha sido o efeito dos aportes ao BNDES, quando estes se materializaram, a economia já crescia solidamente a taxas consideráveis, impulsionada pela demanda doméstica, cuja expansão era bastante superior ao aumento do produto.
É muito difícil, sob tais circunstâncias, argumentar que os aportes ao BNDES tenham evitado uma queda de 3% do PIB em 2009. Por outro lado, é bastante provável que tenham contribuído de forma mais palpável para a aceleração da demanda doméstica no período mais recente (ainda que reste a difícil questão de saber quanto da demanda que ocorreria na ausência dos aportes possa ter sido reduzida pela própria política).
Isso significa, portanto, que a taxa de juros requerida para manter a inflação na meta se torna mais alta do que seria sem os aportes ao BNDES, analogamente ao que ocorre quando o gasto público aumenta.
Vale dizer, não apenas há dúvidas sobre a efetividade dos aportes para atenuar a recessão como é possível que essa política tenha resultado em taxas de juros mais elevadas. Se esses são os benefícios, melhor mesmo nem pensar nos custos.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 47, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. Escreve às quartas, quinzenalmente, neste espaço.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com


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