São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

A primeira ilusão de Dilma


Presidente eleita quer barrar "guerra cambial" no G20, mas nenhum país grande está a fim de acordo sério


DILMA ROUSSEFF e Lula fizeram ontem um dueto contra a "guerra cambial". "Guerra cambial" é o nome que tem se dado às supostas tentativas de cada país de fazer com que sua moeda tenha tal ou qual valor, de modo a angariar vantagens econômicas ou de "evitar desequilíbrio econômico mundial".
Com a "guerra cambial" se procura obter vantagem comercial, em tese. Moedas desvalorizadas barateiam os produtos, tudo o mais constante; o país da moeda mais fraca exporta mais, importa menos. Mas a história é muito mais enrolada.
Dilma e Lula dizem que vão à reunião do G20 a fim de conseguir um acordo que atenue a "guerra cambial". Disseram tal coisa horas antes de os EUA reafirmarem a sua política econômica de crise, um dos epicentros da "guerra cambial".
O banco central dos EUA, o Fed, anunciou que vai "imprimir" mais US$ 600 bilhões entre este mês e junho de 2011. Na verdade, o Fed vai comprar títulos da dívida do governo norte-americano, de médio e longo prazos, ora no mercado. Inunda o mercado de dinheiro e, em tese, os juros baixam um tico, o que talvez reduza o custo de financiamento de casas e o de investir em novos negócios. O Fed faz tal coisa porque a "taxa básica" de juros de curto prazo, a mais importante em tempos "normais", está no zero.
Parte da dinheirama ficará nos bancos, por falta de interesse de emprestar ou de tomar emprestado: famílias estão quebradas, há desemprego. Parte do tutu vai procurar rentabilidade: ouro, commodities (comida, metais), ações e ativos de países emergentes, como o Brasil.
Tal excesso de dólares valoriza as moedas de emergentes que não conseguem conter o processo (por falta de poupança, por falta de meios ou vontade de "manipular" o câmbio). De qualquer modo, todos os emergentes compram dólares, na tentativa de evitar valorização excessiva.
O que fazem com esses dólares? Compram títulos emitidos pelo deficitário governo americano. Em suma, o Fed e os emergentes financiam o deficit do governo dos EUA, de resto baixando a taxa de juros em dólar: o Fed "imprime" dinheiro; os emergentes mandam sua poupança para os EUA, em parte poupança "forçada", feita com o objetivo de evitar a valorização de suas moedas. Alguns dos países, emergentes em especial, têm tais excedentes porque poupam muito (consomem pouco): a China é o exemplo maior.
O Brasil não tem excedente. Faz dívida para acumular reservas, para comprar dólares e evitar alta ainda maior do real. A diferença de juros entre mundo rico, EUA em especial, e emergentes, Brasil em particular, direciona ainda mais dólares para cá, o que dá ainda mais impulso à valorização do real.
Ninguém quer bulir com seus interesses. A China quer ainda poupar e investir muito. Anuncia uma transição para mais consumo e yuan mais forte, mas isso vai levar tempo. Os EUA vão despejar dinheiro no mundo até 2012, ao menos. A Alemanha diz que exporta muito porque poupa e é eficiente; não quer lições de países endividados. O Japão fica na moita da Alemanha, criticada pela França. O Brasil apanha devido às atitudes dos EUA e da China. A Índia não pode colaborar. O Leste da Ásia pega carona na China. A "guerra cambial" é, na verdade, um sistema de desequilíbrio. O Brasil vai ter de se virar sozinho nessa.

vinit@uol.com.br


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