São Paulo, domingo, 05 de junho de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

MARCELO NERI

Rio: a hora da virada


As pessoas de fora olham para dentro do Rio, os cariocas olham para fora do Rio; essa era a regra


PAULISTAS, MINEIROS, pessoas de outros Estados, mesmo aquelas nascidas na capital federal, escrevem com frequência sobre suas localidades. Os títulos dos principais jornais desses locais refletem isso: "Folha de S.Paulo", "Estado de S.
Paulo", "Estado de Minas" e "Correio Braziliense". No Rio de Janeiro, os principais jornais são "O Globo", "O Dia" e o finado "Jornal do Brasil", o que reflete a baixa preocupação com questões locais, não dos veículos em si, mas da população que compra, ou não, jornais.
Em 1994, o jornalista do "Globo" Zuenir Ventura chamou o Rio de "Cidade Partida", dividida entre o asfalto e o morro. Se Zuenir morasse em São Paulo, ou em Brasília, escreveria o livro "Cidade Cercada", sobre a ilha de riqueza rodeada por periferias pobres.
Zuenir é de Além Paraíba, terra de meu avô Agostinho -outro mineiro apaixonado pelo Rio. Se Zuenir fosse carioca, não escreveria livro nenhum sobre o Rio. Cariocas não gostam de escrever sobre o Rio.
Pessoas de fora olham para dentro do Rio, cariocas olham para fora do Rio. Essa era a regra.
André Urani (nascido na Itália e criado em São Paulo) e Fabio Giambiagi (filho de argentinos, criado lá), cariocas por opção, organizaram a coletânea "Rio de Janeiro: A Hora da Virada", cuja orelha compõe este artigo. O livro descortina novos horizontes para o Rio. Olhares globais sobre ações locais.
Fabio é hoje o mais profícuo economista-editor brasileiro de coletâneas sobre temas diversos, tendo a relevância como bússola. André já havia nos brindado com seu livro sobre suas trilhas para o Rio avançar.
Uma nova geração de estudiosos nativos, na qual me incluo, passou sob sua liderança a se debruçar sobre os caminhos e descaminhos da nossa própria terra. O Rio de Janeiro virou objeto preferencial da agenda de pesquisas e de práticas.
Economistas cariocas traçaram as principais políticas públicas nacionais, do Paeg (Plano de Ação Econômica do Governo) ao Real, chegando ao regime macroeconômico vigente e ao desenho do Bolsa Família. Nesse ínterim de ações nacionais, os "três Rios", leia-se cidade, Estado e metrópole, foram assoreados, perdendo importância.
O livro mapeia a transformação de ideias e práticas em curso. Cariocas passam a agir onde moram. Se antes a sigla era URV (Unidade Real de Valor), usada na estabilização do real, agora a sigla da vez é UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), aplicada na segurança e no social. São programas de base territorial, mas como os planos macroeconômicos de outrora, com vocação para exportação "made in Rio".
Tive a honra de participar do desenho e da implementação de programas complementares ao Bolsa Família: o Família Carioca da Cidade do Rio e o Renda Melhor do Estado do Rio, que têm essa mesma vocação -quero crer. Esses programas apontam para um novo federalismo social, onde os três níveis de governo navegam na mesma direção, fato raro em se tratando do Rio.
A obra aponta um novo curso para os "três Rios" confluentes nas novas lideranças políticas. Se Colombo e Cabral no calor da disputa luso-espanhola descobriram a América e o Brasil; se bandeirantes como Fernão Dias Paes Leme, na acirrada caçada por esmeraldas, descobriram literalmente o interior do Brasil, os nossos Cabral e Paes -juntos- redescobriram o Rio.
O choque de ordem nas antes combalidas finanças locais, assim como as estratégias de desenvolvimento econômico, são descritas nos detalhes pelos respectivos responsáveis. Já o choque de progresso é enxergado para além da economia através das lentes de diferentes disciplinas.
Todas as novas direções relevantes foram mapeadas. Dos concretos objetos físicos de progresso -petróleo, energia, logística, infraestrutura e ambiente-, passando ao investimento nas pessoas através da restauração da excelência em educação, saúde e assistência, chegando aos intangíveis -mobilização social, economia criativa, ambiente de negócios, valor da marca da cidade- até o legado dos grandes eventos esportivos.
Esse é o melhor guia existente para o redescobrimento do Rio.

MARCELO NERI, 48, é economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, na Fundação Getulio Vargas.
Internet: www.fgv.br/cps
mcneri@fgv.br


AMANHÃ EM MERCADO:
Gustavo Cerbasi



Texto Anterior: Após cisão, instituto volta a SP em 2016
Próximo Texto: Tablets: Apple faz concorrente reduzir produção
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.