São Paulo, quarta-feira, 05 de outubro de 2011

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MARIO MESQUITA

A ponte


O Banco Central Europeu pode servir de ponte para a solução da questão da dívida soberana dos países


As reuniões anuais do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Banco Mundial em Washington foram marcadas por um pessimismo generalizado.
No lado dos Estados Unidos, o pessimismo referiu-se às perspectivas para a atividade econômica. No caso europeu, a isso se somou o temor quanto à instalação de um círculo vicioso de aumento do risco soberano e a intensificação do estresse nas instituições financeiras.
Em meio a muita incerteza e ruídos, começou, por certo tempo, a prosperar a noção de que finalmente os "policymakers'' europeus teriam entendido a gravidade da situação, e estariam se aproximando de uma solução definitiva para o problema da dívida da periferia. Com o passar dos dias e a ausência de um anúncio convincente de Bruxelas (ou, melhor dizendo, Berlim), o estresse voltou a dominar os mercados, que passaram a apresentar perdas substanciais, em especial no que se refere a ativos relacionados ao setor financeiro.
A dificuldade central na Europa parece ser que a solução economicamente racional, qual seja, uma "federalização" da dívida da periferia no contexto de um movimento amplo em direção à união fiscal, não é, até o momento, politicamente viável. Em um paradoxo um tanto perverso, parece que seria necessário ainda maior estresse financeiro, e a ameaça clara de um retrocesso para o imediato período pós-Lehman, para motivar as lideranças políticas que contam, mormente na Alemanha, a dar esse passo histórico -mesmo que muito provavelmente esse país viesse a dominar qualquer união fiscal europeia.
Nesse meio tempo, cabe ao Banco Central Europeu (BCE) trabalhar com os instrumentos disponíveis para evitar que a crise da dívida soberana leve consigo parte relevante do sistema financeiro do bloco econômico, o que evidentemente teria efeitos globais. Em parte, o BCE já vem fazendo isso, ao se tornar um comprador de dívida de última instância para diversos países do continente. Para tanto, o BCE lançou mão de uma interpretação ampla de seu regulamento, que permitiria esse tipo de atuação para salvaguardar o funcionamento dos mercados e, com isso, o mecanismo de transmissão de sua política monetária para a economia do bloco.
Os críticos mais puristas do BCE enxergam nessa iniciativa um perigoso processo de monetização da dívida pública, que poderia estar na gênese da aceleração inflacionária. Ocorre que, quanto mais tardar uma solução fiscal racional para a crise, mais experimentais terão de ser as políticas do BCE.
Uma opção a ser provavelmente considerada na reunião do BCE de amanhã será a restauração da oferta ilimitada de liquidez aos bancos por prazos de um a dois anos.
Com isso, efetivamente o banco central estaria garantindo a capacidade das instituições financeiras para honrar compromissos, em euros, nesse período -o "swap" de moedas do BCE com o Fed constituiria, em última análise, oferta similar em dólares.
Por sua vez, os Tesouros das economias com dificuldades fiscais tenderiam a encurtar seu prazo de financiamento, oferecendo títulos de prazo igualmente curto -até dois anos- que os bancos locais poderiam financiar. Se o leitor reconhecer nesse arcabouço certos aspectos do desarranjo fiscal e monetário brasileiro dos anos 1980, não deve se surpreender -os problemas europeus são dessa escala. Evidentemente, tal estado de coisas só pode vigorar temporariamente. O BCE pode servir de ponte para a solução da questão da dívida soberana, mas é preciso que as autoridades fiscais adotem políticas que viabilizem uma solução ao final do período de carência a ser propiciado pelo banco central.
Do contrário, o risco seria repetir o período de inatividade e deterioração de fundamentos que se seguiu à primeira intervenção do BCE nos mercados de dívida em maio de 2010. O dilema para o BCE é que os mercados demandam intervenção maciça, mas tal iniciativa poderia gerar uma enganosa calmaria que levaria as autoridades fiscais a postergar uma solução. A tarefa do sr. Draghi, o novo presidente da instituição, será das mais complexas.

MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Hohagen



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