São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

Sem medo nem esperança


Ilusão de melhoria rápida da economia mundial era um contágio da animação nos mercados financeiros


O BRASIL andou causando inveja aos banqueiros centrais do G20, reunidos na Coreia do Sul neste final de semana para discutir com os ministros das Finanças problemas financeiros que serão tema da próxima cúpula do bloco. Digamos ironicamente que é uma inveja derivada de uma deformação profissional.
A recessão do Brasil foi curta, a economia cresce bem, tanto que o Banco Central daqui deve se dedicar a uma forte campanha de alta de juros. O sentimento frustrado dos demais banqueiros centrais é que a alta de juros nos Estados Unidos e, principalmente, na Europa ficou para meados do ano que vem.
Maio foi um mês muito ruim para a finança mundial. O volume de emissões de dívida corporativa, os empréstimos das empresas, caiu ao nível mais baixo desde o traumático mês de outubro de 2008. As Bolsas despencaram; o dinheiro fugiu para títulos do Tesouro americano. A taxa de juros de empréstimos de três meses entre bancos (Libor) subiu para o nível mais alto desde julho de 2009. A alta da Libor é uma das medidas de medo no mercado financeiro: quando um banco teme a quebra do vizinho, não empresta ou cobra mais caro.
Os indicadores de medo na finança subiram, como se sabe, devido à crise da dívida europeia. No dia 10 de maio, o Banco Central Europeu anunciou que relaxaria empréstimos para bancos, que compraria dívida de países sob o risco de quebra -isto é, o BCE na prática está emprestando dinheiro a governos como os de Grécia e Portugal, além de aceitar papéis meio podres de bancos como garantia de empréstimos.
Em suma, o BCE já se via impedido, devido a essa "crise de liquidez", de elevar sua taxa básica de juros. A anêmica recuperação da economia europeia não recomendaria o aperto monetário. As recentes medidas de cortes de gastos dos governos devem tirar o último ímpeto do BCE.
Diminuiu muito o risco de catástrofe financeira, muito real em maio. Não seria de intensidade equivalente ao do final de 2008, mas bastante para trumbicar a economia real.
Junho, porém, não começou bem. Há o caso da Hungria, que parece piada. Mas o governo húngaro parece maluco, diz que pode quebrar e, de novo, houve medo de que bancos estejam de calças curtas. Mais importante, soube-se que a economia mundial deu uma arrefecida em maio, considerados os dados antecedentes de atividade industrial. Nos EUA, os números sobre a recuperação do emprego continuam frustrantes. Os lucros das empresas se recuperam, mas até quando?
Sem estímulos fiscais, sem bolhas imobiliárias ou financeiras e com desemprego persistentemente alto, fica difícil imaginar uma recuperação forte e duradoura da economia americana. Note-se ainda que a venda de imóveis despencou em maio, logo depois de ter expirado o subsídio para compradores da casa própria. Mesmo assim, a situação dos EUA é muito melhor que a da Europa, condenada a anos de arrocho fiscal e sem o dinamismo e a flexibilidade dos americanos.
Não se trata de uma situação de medo, ou de medo agudo. Mas nem de esperança, ou de esperança aliviada. Mais uma vez, a ilusão de recuperação rápida que se expandia pela mídia do mundo, neste início de 2010, era devida ao contágio do ânimo dos financistas, que haviam voltado a ganhar dinheiro.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: Oferta de ações: 6 bancos vão coordenar operação
Próximo Texto: Carro elétrico pode demorar dez anos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.