São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

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Estado expande poder e cria novos riscos

Governo usa BNDES e fundos para ampliar influência, mas eleva ameaça fiscal e dependência das empresas por subsídio

Para oposição, Lula usa fundos para privilegiar alguns "amigos do rei'; ajuda do Tesouro ao BNDES acarreta custos


VALDO CRUZ
JULIANNA SOFIA
DE BRASÍLIA

Alheio a críticas e evocando o modelo do Estado forte, o governo Lula usou no segundo mandato fundos de pensão de estatais e o BNDES para aumentar sua influência em vários setores da economia, numa política que embute dois riscos.
O primeiro é o de uma crise fiscal no médio prazo; o segundo, a consolidação de um empresariado dependente de juros subsidiados a partir de estratégias voltadas para os "amigos do rei"-o que pode afetar a competição em alguns setores.
Montada no segundo mandato, essa política direcionou recursos do BNDES e dos principais fundos de pensão ligados a estatais federais para modelos de reestruturação empresarial desenhados dentro do Planalto -como a liberação de recursos para a fusão de Oi com Brasil Telecom, de Votorantim Celulose com Aracruz ou de Sadia com Perdigão.
O presidente Lula chegou a chamar diretores de fundos para reuniões em Brasília a fim de pressioná-los a seguir suas diretrizes, além de cobrar de empresários investimentos planejados pela União em troca de recursos mais baratos do BNDES.
Segundo cálculos de economistas, o subsídio do Tesouro nos empréstimos do BNDES pode chegar à casa de R$ 8,6 bilhões por ano, praticamente o mesmo valor do corte que o governo fez no mês passado para tentar frear a economia e evitar pressões inflacionárias.
A Folha listou pelo menos dez grandes operações ou planos de investimento que só se materializaram por conta da pressão direta de Lula.
São casos em que o presidente usou o poder de fogo dos fundos de pensão e que, em várias situações, tiveram como personagens empresários com relação próxima ao Palácio do Planalto (veja quadro ao lado).

REDE DE INFLUÊNCIAS
A estratégia petista, segundo líderes da oposição, foi costurada para aumentar a rede de influência do governo sobre grupos empresariais. O ex-presidente FHC diz que ela representa um risco político ao criar uma "forte conexão entre o setor privado e um grupo partidário".
O líder do DEM na Câmara, Paulo Bornhausen (SC), acrescenta que "quem é amigo do rei tem mais facilidades de receber recursos".
A tese oposicionista encontra ressonância entre ex-colaboradores de Lula.
Para Elizabeth Farina, que presidiu o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) entre 2004 e 2008, há um processo deliberado do governo federal de reestruturar setores econômicos, mas com direcionamento da ajuda estatal.
"Essa estratégia é muito nítida no segundo mandato. Há a intenção de depurar a estrutura produtiva, por achar que o desenho é ineficiente", afirma Farina.
"O problema é que, muitas vezes, isso é feito por uma malha de relações extramercado, com discricionariedade do governo, o que traz riscos e incertezas."
Além disso, diz Gustavo Loyola, ex-presidente do BC no governo FHC, essa política cria um empresário pouco crítico, altamente dependente das "benesses do setor público". Para ele, "entramos numa fase de capitalismo de favores", que usou a crise como pretexto. O risco é essa tendência se acelerar.

CUSTOS E BENEFÍCIOS
Para o ex-presidente do BC Armínio Fraga, essa política tem seus custos e benefícios.
Segundo ele, é inegável que o BNDES e os fundos se mostraram instrumentos eficientes durante a crise, mas essa política não pode se perpetuar. Há riscos fiscais e a consequente "perda de eficiência e inibição de expansão de outros setores".
Armínio lembra que esse modelo "já existia" antes e a diferença é que foi "turbinado" no governo Lula.
No período tucano, os fundos de pensão foram estimulados a participar do processo de privatização das teles e da Vale. No de Lula, a se associar a empresas em projetos de interesse do governo.


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