São Paulo, quarta-feira, 06 de outubro de 2010

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MARIO MESQUITA

Alternativas de política econômica


Os temas fiscais ficaram ausentes do debate, mas o novo governo terá de fazer escolhas importantes logo


A POLÍTICA econômica foi um tema praticamente ausente da campanha eleitoral, pelo menos até o primeiro turno.
Isso refletiu o relativo contentamento do eleitorado com a situação econômica do país, acompanhado pela convicção, entre formadores de opinião, de que, ao contrário do que prematuramente vaticinaram certos críticos, o arcabouço de política econômica, notadamente o regime de meta de inflação com câmbio flutuante, saiu-se bem do severo teste imposto pelo pânico de 2008.
O silêncio dos candidatos refletiu, também, uma natural tendência à autopreservação. Ninguém quer se apresentar a um eleitorado contente como o portador de más notícias.
Mas o novo governo vai enfrentar desafios importantes. Por um lado, o ambiente internacional combina liquidez abundante, talvez excessiva, para bons créditos, como o Brasil, com risco residual de desaceleração nas economias maduras, e crescimento forte, que enseja risco claro de elevação dos preços de matérias-primas e alimentos, nas economias emergentes.
Por outro, no âmbito doméstico o forte crescimento de 2010, que reflete, em importante medida, a ocupação da margem de ociosidade gerada pela crise, não deve se repetir a partir de 2011, pois o país investe muito pouco.
Não só o país investe pouco, mas, a julgar pelo comportamento fortemente deficitário do saldo em conta-corrente, poupa menos ainda. Sem aumento da poupança doméstica, a expansão do investimento deve levar o deficit em conta-corrente, atualmente na faixa de 2% do PIB (Produto Interno Bruto), para 4% ou 5% do PIB, o que deverá reverter gradativamente a tendência de apreciação do real.
Se o governo preferir evitar a ampliação do deficit em conta-corrente, ou se o mesmo for contido por eventos externos, então a elevação do investimento vai requerer aumento da poupança interna.
Para tanto, será necessário conter a expansão do consumo do governo e das famílias. A política fiscal parece ser o instrumento adequado para efetuar esse rearranjo da economia. Nesse contexto, o novo governo, independentemente das personalidades envolvidas, terá que enfrentar decisões importantes logo em seu início.
A primeira refere-se à regra de reajuste do salário mínimo. Esse reajuste será definido formalmente ainda pelo presidente Lula em dezembro, mas a decisão, na prática, deverá contar com o apoio do novo governante.
Em vez de seguir a regra que vincula o reajuste do salário mínimo ao crescimento do PIB de dois anos antes -isto é, o reajuste de 2011 seria vinculado ao crescimento nulo de 2009-, o Congresso Nacional optou simpaticamente por acenar com um aumento real, a ser negociado entre a nova equipe econômica e as centrais sindicais.
A segunda questão será como lidar, assim que o Congresso Nacional se reunir, com as pressões por aumentos de gastos, reflexo das amplas, gerais e irrestritas promessas de campanha dos eleitos.
A solução na linha de menor resistência, e que já estaria aparentemente sendo articulada, seria a recriação da CPMF (o tributo do cheque), talvez com uma sigla e alíquotas diferentes, mas efetivamente o mesmo imposto.
Tais decisões, tanto ou mais do que eventuais anúncios de programas de ajuste, serão sinais úteis sobre as reais intenções do novo governo na área fiscal. Afinal, teremos ou não continuidade da política de taxar e gastar vista nos últimos anos, e que parece contar com apoios em todo o espectro de forças políticas?
Se a opção do novo governante for por seguir aumentando gastos públicos, qual será o foco: despesas sociais ou abrir espaço para investimento em infraestrutura?
Por mais desagradáveis que pareçam durante a campanha, certas decisões e prioridades devem ser estabelecidas já nos próximos meses.
Em suma, a calmaria do debate econômico nas eleições é mais aparente do que real. Mesmo que o vitorioso no pleito de 31 deste mês mantenha o silêncio sobre temas fiscais, as decisões iniciais vão mostrar as verdadeiras cores do novo governo de forma relativamente rápida.


MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Hohagen


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