São Paulo, quarta-feira, 09 de fevereiro de 2011

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MARIO MESQUITA

Mudança de maré


As políticas de estímulo ajudaram a amenizar a recessão de 2009, mas seus limites logo ficaram claros


O PÂNICO de 2008 gerou um raro consenso entre as autoridades econômicas de algumas das maiores economias do mundo, como evidenciado pelas reuniões do G20, em favor de medidas de expansionismo fiscal e monetário.
Paradoxalmente, quanto piores os dados sobre a atividade econômica, mais confortável ficava a situação dos gestores macroeconômicos, que tinham diante de si a tarefa de adotar medidas de relaxamento fiscal e monetário que são, geralmente e na maioria dos países (em especial aqueles nos quais o público tende a focar mais no aqui e agora do que no depois de amanhã), bem mais populares do que medidas de austeridade.
Em certos casos, as medidas de expansionismo coincidiam com o viés ideológico de governantes e tecnocratas, o que deu um "élan" extra para o relaxamento das políticas.
As fortes políticas expansionistas contribuíram para evitar que a recessão de 2009 se tornasse algo mais persistente e deletério, mas aparentemente foram excessivas ou foram mantidas por tempo demais.
O fato é que já ao início de 2010 o panorama econômico começava a apontar para o aumento do risco inflacionário e a necessidade de retirada das medidas de estímulo, em particular nas economias emergentes e em algumas maduras que foram pouco afetadas pela crise, como a Austrália.
Mas a sustentação da atividade ainda demandava cuidados no epicentro da crise, em especial economias como os EUA e o Reino Unido, que haviam experimentado exuberante bolha imobiliária e, posteriormente, crise financeira.
Isso gerou uma dicotomia em termos de ritmo de crescimento e atitude política. As economias emergentes passaram a retirar estímulos, ao passo que nas economias maduras estes eram mantidos ou, no caso americano, renovados.
Entretanto, tanto para economias emergentes como maduras, os limites para as políticas de estímulo foram logo ficando claros. Nos emergentes, o primeiro sinal de que tais limites iam sendo atingidos foi o recrudescimento da inflação.
Nas economias maduras, o esgotamento do momento keynesiano foi sinalizado pelos mercados de títulos públicos, que exibiram sintomas de indigestão diante da pesada dieta que lhes foi imposta pelo ímpeto expansionista dos governos. Isso ficou evidente, inicialmente, nas economias europeias, mas parece ter tido início também nos Estados Unidos.
Por outro lado, nos países do Atlântico Norte, por muito tempo acreditou-se que a economia operava com tal folga que preocupações com a inflação eram tidas como descabidas. Também esse quadro vem sofrendo alterações importantes.
Na Europa, o BC Europeu sinaliza preocupação com a elevação da inflação, que está acima da meta de 2%, e parece estar preparando os mercados para uma alta da taxa de juros, talvez ainda neste semestre.
No Reino Unido, os argumentos do Banco da Inglaterra para justificar a inação diante de desvios cada vez mais expressivos da inflação em relação à meta foram derrubados um a um. Primeiro, o banco argumentava que os efeitos da depreciação da libra sobre a inflação seriam limitados. Depois, diante de efeitos nítidos da depreciação sobre os preços, que o importante era verificar se esse processo afetaria as expectativas inflacionárias.
Na sequência, diante da decolagem das expectativas, o argumento passou a ser que o realmente importante era julgar se a deterioração das expectativas estava influenciando as negociações salariais.
Agora que tal evidência parece estar surgindo, há pressões claras de parte do MPC, o Copom britânico, por uma alta iminente dos juros.
Nesse processo, a credibilidade do BC britânico perante o público parece ter sofrido sensível abalo.
Nos EUA, a alta dos juros ainda parece distante. Mas a renovação da expansão quantitativa também se tornou improvável. O certo é que, na primavera do hemisfério Norte, a política monetária nas economias maduras deve começar o longo caminho em direção à neutralidade.
Na margem, os investidores tenderão a ficar mais seletivos e a avaliar com maior critério a qualidade das políticas econômicas dos países que necessitam importar capital. A maré está mudando.

MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Márion Strecker



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