São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 2011

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MARIO MESQUITA

Respondendo à crise


A capacidade de resposta existe, mas envolve escolhas não triviais por parte do governo


A intensa turbulência nos mercados financeiros traz à memória os episódios que se seguiram ao colapso do Lehman Brothers em 2008, seguidos pela recessão mundial de 2009.
Naquela conjuntura, em que pese um impacto inicial severo sobre a atividade econômica, bem como uma forte depreciação do real, o Brasil acabou se recuperando com relativa rapidez e manteve a inflação em linha com a meta para a inflação (4,3% ante 4,5%). Evidentemente, a recuperação da economia mundial não prosseguiu no mesmo ritmo da brasileira e, no caso das economias maduras, pode mesmo sofrer reversão. Embora um segundo mergulho ainda não seja o cenário consensual, este tornou-se mais provável.
Nesse cenário, em que a deterioração das perspectivas de crescimento e a piora dos preços de ativos se reforçam, cabe examinar qual seria a capacidade de resposta das autoridades brasileiras.
Isso passa necessariamente por um exame das condições iniciais. No que se refere à atividade econômica, o mercado de trabalho mostra-se tão aquecido atualmente, com o desemprego no piso das estatísticas, como em agosto de 2008, mas a utilização da capacidade na indústria indica folga mais ampla, o que reflete a natureza da crise e da posterior retomada. O crescimento da economia na margem também sugere uma economia mais aquecida no pré-Lehman do que agora.
Por sua vez, a taxa de crescimento do crédito segue na casa dos 20% ao ano, mas abaixo dos 32% verificados em agosto de 2008. Por outro lado, o crescimento atual se dá sobre uma base mais ampla, a razão entre o crédito e PIB subiu quase dez pontos percentuais, até 47%, desde 2008.
A inadimplência também vem em alta. A inadimplência preocupa, pois tende a aumentar com o desemprego, que provavelmente não vai continuar nas mínimas históricas para sempre -não surpreende, portanto, que os bancos venham adotando políticas mais conservadoras na concessão de crédito.
Os indicadores do setor externo são mais confortáveis agora. As reservas encontram-se próximas de US$ 350 bilhões, ante cerca de US$ 200 bilhões em 2008, o que equivale a quase 460% da dívida externa que vence em menos de 360 dias -essa razão era de 312% em 2008.
Já a razão entre reservas e monetários agregados (M2, no jargão dos economistas), que foi um bom previsor da intensidade da depreciação em 2008, não mudou muito, variando de 35% para 36%.
Mas é razoável supor que o problema dos derivativos cambiais exóticos, que intensificou em muito a depreciação do real em 2008, não deve se repetir -a memória daquele episódio é muito recente e a disseminação das informações é melhor. Em linhas gerais, portanto, parece que a pressão sobre o real deve ser mais moderada do que em 2008. Isso pode ser importante na determinação da capacidade de reação das autoridades.
O desenho dessa resposta dependerá de diversos fatores, entre eles, novamente, as condições iniciais. Como a inflação encontra-se bem distante da meta de 4,5%, e as projeções também não mostram convergência para a mesma, o escopo para acionamento da política monetária pode ser limitado -visto o risco, por conta da indexação e da inércia, da consolidação de patamares inflacionários mais elevados.
Cabe notar, contudo, que a provável desaceleração da economia mundial, com repercussões sobre os preços de matérias-primas e, potencialmente, também sobre o ritmo de expansão da demanda doméstica, devido à deterioração da confiança e do aperto no crédito, poderia alterar esse panorama.
Tal cenário seria mais provável se a depreciação do real em reação à crise for moderada. Por outro lado, com depreciação moderada o governo não terá nos meses à frente a redução da razão dívida-PIB observada entre agosto e dezembro de 2008 -de 43% para 38%-, o que deveria limitar o campo de manobra para ativismo fiscal, ainda mais em um momento no qual as agências de rating e os investidores estão muito sensíveis a sinais de deterioração nesse campo. Em suma, a capacidade de resposta existe, mas envolve escolhas não triviais.

MARIO MESQUITA, 45, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Hohagen



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