São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2010

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ENTREVISTA ECONOMIA E COMPORTAMENTO

Economista aplica lógica de mercado a problemas diários

Tim Harford, que vendeu mais de 1 milhão de livros, fala sobre a tensão entre as escolhas imediatas e as decisões que envolvem o futuro distante

Fran Monks/Divulgação
O autor Tim Harford explica economia com exemplos da vida real

PAULA LEITE
EDITORA-ASSISTENTE DE MERCADO

O estudo de como as pessoas se comportam nas suas vidas cotidianas normalmente é associado à psicologia. Mas para Tim Harford, a economia também tem muito a dizer sobre as pessoas comuns e suas escolhas.
Em seus livros, o economista britânico de 37 anos mistura a explicação de conceitos micro e macroeconômicos usando exemplos da vida real, seja o que acontece numa cafeteria Starbucks ou em Las Vegas. A solução de problemas rotineiros usa pesquisas recentes da economia comportamental.
"Nós tentamos entender detalhes do mundo ao nosso redor, aplicando a ideia de incentivos econômicos a decisões não-econômicas como se casar, namorar, política de escritório e crime", diz ele.
A combinação resultou em mais de 1 milhão de exemplares vendidos no mundo de seus três títulos -"O Economista Clandestino", "A Lógica da Vida" (lançados no Brasil) e "Dear Undercover Economist" (ainda sem data de lançamento no país).
E o britânico trabalha em um novo livro, com título provisório "Adapt - Why Success Always Begins with Failure" ("Adaptação - Por que o Sucesso Sempre Começa com Fracasso", em uma tradução livre), em que abordará como a economia e a psicologia veem a questão dos erros.
Harford também põe a economia para trabalhar, respondendo a perguntas dos leitores do jornal "Financial Times", que o questionam sobre temas tão variados quanto o amor e as configurações de mesas de bar.
O economista falou à Folha por telefone de sua casa em Londres.

 

CRISE
As pessoas estão mais interessadas em economia: isso sempre acontece quando o momento é ruim.
A verdadeira questão é se os economistas ajudaram nessa crise. Acho que não ajudamos muito. Mas eu não acho que falhamos da forma como muitas pessoas dizem.
Muita gente diz que os economistas partiram de princípios errados ou que estão muito apaixonados pelo mercado. Não acho que seja esse o problema.
O problema é que em uma crise financeira pequenos detalhes sobre como exatamente o sistema bancário funciona, como as hipotecas subprime funcionam, acabaram sendo muito importantes.
A maioria dos economistas não estava olhando para esses pequenos detalhes. Nós entendemos como os incentivos funcionam, o grande cenário, mas fomos enganados pelos detalhes.

 

MÚLTIPLA PERSONALIDADE
Existem muitas pesquisas de laboratório sobre a diferença entre o que as pessoas querem agora e o que elas querem no futuro.
Em uma delas, os economistas pedem às pessoas para preencher um questionário e depois dizem, para lhe agradecer, vamos lhe dar um lanche: chocolate ou fruta.
Aí existem dois jeitos de fazer isso: um é oferecer o lanche agora e outro é pedir à pessoa que escolha agora e dar o lanche no dia seguinte.
As pessoas que iam comer na hora tendiam a preferir o chocolate. Mas as pessoas a quem se dizia que podiam escolher agora e comer depois tendiam a escolher a fruta.
E é claro que no dia seguinte quando o economista chegava com a fruta, a pessoa dizia, "puxa, eu realmente queria o chocolate". E se o economista dá à pessoa a opção de trocar, a maioria prefere trocar pelo chocolate.

 

CHOCOLATE E FILMES
Você pode pensar que essa história é só sobre frutas, mas os economistas descobriram algo similar quando se fala de filmes.
Os mesmos pesquisadores ofereceram a estudantes a chance de assistir a um filme. Alguns podiam escolher e assistir imediatamente e outros tinham que escolher e assistir o filme dali a uma semana.
Quem ia assistir na hora tendia a escolher uma comédia, um filme romântico, algo com a Meg Ryan, algo leve.
Quem escolhia para assistir dali a uma semana tendia a escolher algo como "A Lista de Schindler", um filme estrangeiro com legendas, ou um filme japonês.
E é claro que dali a uma semana as pessoas diziam "não, eu não quero assistir um filme do Akira Kurosawa. Não me importo se o filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes, só quero ver o Robin Williams de colete".

 

PLANEJANDO O FUTURO
Uma ideia que opera dentro desse mesmo princípio dos filmes vem do [economista norte-americano] Richard Thaler e se chama "Poupe Mais Amanhã".
A empresa pergunta ao funcionário que porcentagem do seu salário ele quer poupar para a aposentadoria, mas isso não começa imediatamente: começa da próxima vez que ele tiver um aumento.
Seu salário nunca vai baixar, você sempre vai ficar com uma parte do aumento, mas uma parte vai para sua aposentadoria. E se descobriu que isso é muito eficaz para aumentar contribuições.

 

TENTATIVA E ERRO
Meu novo livro é sobre como buscar soluções para problemas complexos como a crise financeira, a mudança climática e o terrorismo por meio da tentativa e erro. Mas eu também olho para a psicologia dos erros, por que nós achamos errar tão difícil.
E por que não respeitamos políticos que dizem "eu não sei, vou tentar algumas coisas". Nós não votamos nessas pessoas.
Mas a verdade é que é assim que problemas são solucionados. A maioria das empresas também tem dificuldade em errar.

 

TEORIA DOS JOGOS
Eu acho que a teoria dos jogos pode ajudar as pessoas a negociar na sua vida.
Existe um exemplo simples muito estudado pelos economistas que se chama jogo de soma zero. Neste jogo eu e você temos US$ 100 na nossa frente e temos que decidir como dividir o dinheiro.
E realmente não existe muita negociação, nós discutimos e provavelmente a divisão será US$ 50 e US$ 50, mas talvez dependa, se eu tiver mais poder, posso ficar com mais.
Mas todo dólar que eu ganho, você não ganha. Isso é um jogo de soma zero.
Mas depois os economistas perceberam que muitos jogos não são de soma zero.
Se você só entender isso já ajuda em uma negociação.
Então quando você vai negociar seu salário com seu chefe, por exemplo, você pode começar pensando, vou pedir mais dinheiro e claro que o chefe quer pagar menos.
Mas se você pensar que não é um jogo de soma zero, pode perceber que há coisas que importam para você que não importam tanto para o seu chefe. Então você pode dizer, eu não preciso de um aumento, mas eu gostaria de ir para casa todo dia às 17h porque tenho obrigações familiares.
Você começa a perceber que existem diferentes modos de estruturar a negociação e começa a procurar coisas que as pessoas podem te dar que não as prejudique.


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