São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ENTREVISTA DA 2ª

SIDNEI NEHME ECONOMISTA

Dólar vai continuar ladeira abaixo no Brasil

Especialista em câmbio, economista afirma que dólar cairá enquanto governo continuar gastando e o BC segurar a inflação com juros altos

FERNANDO CANZIAN
DE SÃO PAULO

O dólar vai continuar ladeira abaixo no Brasil e no mundo enquanto os EUA não se recuperarem e, internamente, o governo brasileiro não fizer sua "lição de casa": cortar despesas para poder baixar os juros que paga para financiar um Estado que gasta mais do que pode.
Para o economista Sidnei Moura Nehme, diretor-presidente da NGO Corretora de Câmbio, há também outro fator relevante que mantém o dólar extremamente desvalorizado no Brasil.
Na prática, diz, o Banco Central vem estimulando sua desvalorização para tornar as importações (denominadas em dólares) mais baratas. Faz isso para conter a inflação neste ano eleitoral, quando a economia pode crescer perto de 8%.
Nehme, que há décadas opera diariamente no mercado de câmbio, diz que o ministro Guido Mantega (Fazenda) arrumou um "inimigo externo" ao culpar uma "guerra cambial" global pela valorização do real.
Leia entrevista à Folha:

 

Folha - O dólar não para de cair, apesar de o governo ter dobrado o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) no câmbio. As intervenções do Banco Central para valorizar o dólar são cada vez maiores. Guido Mantega diz que o Brasil está no meio de uma "guerra cambial" global. Qual a sua visão?
SIDNEI NEHME -
"Guerra cambial" é um superlativo muito forte. O que ocorre no mundo é reflexo da prática do câmbio flutuante nos mercados mais desenvolvidos.
É natural, quando se tem o câmbio flutuante, que as economias em crise ou com a atividade muito limitada, como os EUA hoje, vejam suas moedas se desvalorizar. É exatamente isso o que acontece com o dólar atualmente.
Em relação ao Brasil, as declarações do ministro Mantega sobre a "guerra cambial" têm o claro intuito de jogar para fora, para o mundo, a responsabilidade de problemas que são exclusivamente nossos. É uma declaração de cunho político.
Ele foi muito habilidoso ao tentar desviar o foco principal do problema. Arrumamos um inimigo externo. Deve fazer parte da estratégia da sucessão presidencial.
Assim, ele tenta tirar de cena a drástica situação de nossas contas internas. É ela, no fundo, que leva o Brasil a ter uma taxa de juro tão alta que acaba atraindo capitais de fora, levando à valorização do real além do razoável.

São apenas os juros elevados, na comparação com outros países, que trazem dólares em grande escala para o Brasil, valorizando o real?
O grande fluxo de dólares que entra no Brasil atrás dos juros elevados praticados pelo BC explica somente em parte a valorização do real. É só olhar para os números gerais. Na prática, o BC vem comprando muito mais dólares no mercado do que o fluxo externo está oferecendo.
Os dólares que o BC vem acumulando em suas reservas, e que têm um custo enorme, não vêm apenas do fluxo externo. O Banco Central compra dólares no mercado interno em quantidades muito maiores do que as que entram. A razão disso? Segurar a inflação via importações. Isso não é dito claramente.
Os números até ontem (6 de outubro) mostram que o BC comprou US$ 29 bilhões, dos quais US$ 17 bilhões entraram no país. US$ 12 bilhões ele tirou das posições dos bancos que operam aqui, e que trazem dólares financiados com suas linhas externas, deixando-os "vendidos" em dólares.
O Banco Central age assim para induzir a apreciação do real, pois ele usa o preço do dólar como um antídoto às pressões inflacionárias. O preço do dólar, que determina o valor de produtos importados, é muito mais eficaz do que os juros no combate à inflação. O aumento de juros repercute meses depois. O dólar, não. É imediato.
O Brasil não fez a sua lição de casa, que é o controle de seu gasto público. Se tivesse juros mais baixos, sem precisar se financiar no mercado pagando juros elevados, não precisaria usar o câmbio como instrumento de controle da inflação. O fato é que não fizemos essa lição de casa. Portanto, temos todas as mazelas consequentes.
Se o gasto e a dívida públicas caíssem de maneira considerável, nós teríamos um câmbio mais equilibrado, naturalmente. Pois a única forma de equilibrar o câmbio é com menos gasto público. Teríamos uma taxa de juros menor e o país seria menos atraente para os capitais estrangeiros especulativos.
E passaria a ser muito mais atraente para o capital produtivo. Poderíamos mudar qualitativamente, e esse dinheiro procuraria o Brasil.

Ou seja, os dólares de fora que vêm entrando e financiando o Brasil são cada vez de pior qualidade.
- O cenário externo hoje é de vários países desenvolvidos aplicando taxas de juros muito baixas. Isso leva os investidores a tomar dinheiro a juros muito baixos em países como Japão e EUA e aplicar aqui, onde o retorno é alto. É um capital especulativo, extremamente ágil, que vem buscar só rentabilidade.
Esse capital não produz nada. Entra lentamente e sai muito rápido. Quando ele sai, faz estragos, porque sai de forma abrupta e não agrega nada ao país. E é parte desses dólares que o Banco Central está pondo em suas reservas.
Se tivermos uma saída abrupta, por qualquer motivo, o Banco Central vai ter que vender grande parte dessas reservas, pois boa parte dela é esse estoque de dinheiro de má qualidade. Não é um dinheiro que veio para ficar. A qualidade só piorou.
O câmbio apreciado como está, queira ou não, também é um fator de desestímulo ao investimento produtivo. Uma empresa que entra já converte menos dólares em reais. E já começa com a possibilidade de perder se o dólar se recuperar.

Como o sr. vê a situação do Brasil no ano que vem?
Creio que o ano que vem traga algumas diferenças em relação ao cenário atual. Tenho ouvido que a demanda por crédito vai mudar de caminho. Ele vai ficar ilhado na área imobiliária e vai diminuir sensivelmente na área do consumo. Se isso acontecer, as pressões inflacionárias não serão tão fortes.
A indústria, na realidade, foi a parte da nossa economia que errou no "timing" quando veio a crise. Ela recuou demasiadamente, achando que a crise seria maior no Brasil.
Houve uma forte diminuição da produção e dos investimentos, e as importações entraram com força.
Se diminuir a pressão do consumo, acho que nós podemos ter espaço para até reduzir a taxa de juro.
Mas o ponto de interrogação é o seguinte: como será o próximo governo? Gastador ou "economizador"?
Eu acho que o próximo governo vai ter muitos problemas. O problema é que a curva do crescimento é para baixo, e isso conduz para baixo também a curva da arrecadação de impostos. Se não houver um ajuste, podemos ter à frente um quadro geral até mesmo pior do que o atual.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Frases
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.