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Mantega quer fim da hegemonia do dólar
Ministro da Fazenda sugere a substituição da moeda americana por uma cesta de moedas, que incluiria até o real
Proposta de Mantega poderá ser levada à cúpula do G20, mas, como em outras vezes, não deve ser aprovada
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A SEUL
O ministro da Fazenda,
Guido Mantega, desembarcou em Seul na hora do almoço (madrugada em Brasília),
bêbado de sono pelas 30 horas entre aviões e aeroportos,
mas com uma proposta ousada: substituir o dólar como
principal moeda de trocas e
reservas internacionais por
uma cesta de moedas.
A cesta até já existe: chama-se DES (Direitos Especiais de Saque) e é usada contabilmente pelo Fundo Monetário Internacional.
Mas Mantega quer que a
cesta, formada hoje pelo dólar, pelo euro, pelo iene japonês e pela libra esterlina britânica, inclua também o real
brasileiro e o yuan chinês.
O ministro diz que levará a
proposta à cúpula do G20
que começa hoje na capital
coreana. Mas é mais uma expressão adicional da grande
irritação do governo brasileiro com a decisão dos EUA de
irrigar a economia com US$
600 bilhões nos próximos oito meses do que uma expectativa de que a proposta seja
de fato encampada pelo G20.
Tanto é assim que Mantega nem sabe se o presidente
Lula mencionará o tema na
sua apresentação na cúpula.
"Até agora, não está previsto", admite o ministro.
Tampouco estava prevista
qualquer menção a essa revolução no sistema financeiro no texto preliminar que é
debatido desde segunda-feira pelos vice-ministros de
Economia. Às 21h de ontem
(10h em Brasília), começava,
aliás, a reunião decisiva para
discutir exatamente o que
Mantega batizou de "guerra
cambial".
A irritação do ministro é fácil de explicar: a expectativa
generalizada é que boa parte
dos US$ 600 bilhões, em vez
de estimular a economia norte-americana, irá para países
produtores de commodities,
com duas consequências: valorizar ainda mais o real, que
já está forte demais, o que
prejudica as exportações brasileiras; e provocar "uma inflação no mercado de commodities", com óbvios reflexos nos preços internos.
O ministro torce para que a
cúpula de Seul evite que a
questão cambial "se torne
um grande conflito" e dê lugar a um "salve-se quem puder". Mas, para que a torcida
dê certo, é preciso esperar a
reação dos mercados ao comunicado final, amanhã.
A versão em discussão segue a linha adotada há duas
semanas pela reunião de ministros de Economia e presidentes de BCs do G20: "Fortalecer a cooperação multilateral para promover a sustentabilidade externa e perseguir um amplo leque de políticas que conduzam a reduzir
os desequilíbrios excessivos
e manter os desequilíbrios da
conta-corrente em níveis sustentáveis".
Traduzindo do diplomatiquês/economês para a vida
real: países com amplos saldos comerciais e/ou de conta-corrente (leia-se China,
principalmente, mas também Alemanha e Japão) devem trabalhar para reduzi-los. Países com amplos deficit (Estados Unidos) também
devem fazer a sua parte.
O modelo já aprovado anteriormente é uma nova sigla, MAP (Mutual Assessment Process ou Processo de
Avaliação Mútua), mecanismo pelo qual serão colhidos
dados de cada país do G20 e
submetidos ao teste de seu
impacto sobre os demais, sob
supervisão técnica do FMI.
PRAZO
O problema para que os
mercados entendam que de
fato os países mais importantes do mundo estão trabalhando para reduzir os desequilíbrios está em dois pontos: a linguagem e o prazo
para a avaliação.
Jogá-lo muito para a frente
desmoraliza o esforço.
Adiantá-lo demais pode ser
impraticável para que, de fato, consiga-se "progresso rumo à sustentabilidade externa e a consistência das políticas fiscal, monetária, do setor financeiro, estrutural e de
câmbio, além de outras políticas", que é o enunciado da
meta do MAP. Como se vê,
nada fácil de se alcançar.
Se o enunciado for mal interpretado, o risco, diz Mantega, é o de que "vários países adotem medidas para se
defender do desembarque da
moeda norte-americana".
O Brasil estará entre eles,
mas o ministro, como é óbvio, diz que tais medidas "se
adotam, não se anunciam".
Não é a primeira vez em
que, nas imediações de cúpulas do G20, surge a tese de
trocar o dólar por algum outro mecanismo (ou moeda)
como principal reserva global. China e Rússia já propuseram isso, mas as propostas
jamais chegaram de fato à
mesa de negociação.
Chegarão agora? Mantega
acha que a situação mudou:
"À medida que os EUA olham
só para seus próprios interesses, abrem espaço para uma
mudança [no sistema financeiro internacional]".
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