São Paulo, quinta-feira, 11 de novembro de 2010

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Mantega quer fim da hegemonia do dólar

Ministro da Fazenda sugere a substituição da moeda americana por uma cesta de moedas, que incluiria até o real

Proposta de Mantega poderá ser levada à cúpula do G20, mas, como em outras vezes, não deve ser aprovada

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A SEUL

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, desembarcou em Seul na hora do almoço (madrugada em Brasília), bêbado de sono pelas 30 horas entre aviões e aeroportos, mas com uma proposta ousada: substituir o dólar como principal moeda de trocas e reservas internacionais por uma cesta de moedas.
A cesta até já existe: chama-se DES (Direitos Especiais de Saque) e é usada contabilmente pelo Fundo Monetário Internacional.
Mas Mantega quer que a cesta, formada hoje pelo dólar, pelo euro, pelo iene japonês e pela libra esterlina britânica, inclua também o real brasileiro e o yuan chinês.
O ministro diz que levará a proposta à cúpula do G20 que começa hoje na capital coreana. Mas é mais uma expressão adicional da grande irritação do governo brasileiro com a decisão dos EUA de irrigar a economia com US$ 600 bilhões nos próximos oito meses do que uma expectativa de que a proposta seja de fato encampada pelo G20.
Tanto é assim que Mantega nem sabe se o presidente Lula mencionará o tema na sua apresentação na cúpula. "Até agora, não está previsto", admite o ministro.
Tampouco estava prevista qualquer menção a essa revolução no sistema financeiro no texto preliminar que é debatido desde segunda-feira pelos vice-ministros de Economia. Às 21h de ontem (10h em Brasília), começava, aliás, a reunião decisiva para discutir exatamente o que Mantega batizou de "guerra cambial".
A irritação do ministro é fácil de explicar: a expectativa generalizada é que boa parte dos US$ 600 bilhões, em vez de estimular a economia norte-americana, irá para países produtores de commodities, com duas consequências: valorizar ainda mais o real, que já está forte demais, o que prejudica as exportações brasileiras; e provocar "uma inflação no mercado de commodities", com óbvios reflexos nos preços internos.
O ministro torce para que a cúpula de Seul evite que a questão cambial "se torne um grande conflito" e dê lugar a um "salve-se quem puder". Mas, para que a torcida dê certo, é preciso esperar a reação dos mercados ao comunicado final, amanhã.
A versão em discussão segue a linha adotada há duas semanas pela reunião de ministros de Economia e presidentes de BCs do G20: "Fortalecer a cooperação multilateral para promover a sustentabilidade externa e perseguir um amplo leque de políticas que conduzam a reduzir os desequilíbrios excessivos e manter os desequilíbrios da conta-corrente em níveis sustentáveis".
Traduzindo do diplomatiquês/economês para a vida real: países com amplos saldos comerciais e/ou de conta-corrente (leia-se China, principalmente, mas também Alemanha e Japão) devem trabalhar para reduzi-los. Países com amplos deficit (Estados Unidos) também devem fazer a sua parte.
O modelo já aprovado anteriormente é uma nova sigla, MAP (Mutual Assessment Process ou Processo de Avaliação Mútua), mecanismo pelo qual serão colhidos dados de cada país do G20 e submetidos ao teste de seu impacto sobre os demais, sob supervisão técnica do FMI.

PRAZO
O problema para que os mercados entendam que de fato os países mais importantes do mundo estão trabalhando para reduzir os desequilíbrios está em dois pontos: a linguagem e o prazo para a avaliação.
Jogá-lo muito para a frente desmoraliza o esforço. Adiantá-lo demais pode ser impraticável para que, de fato, consiga-se "progresso rumo à sustentabilidade externa e a consistência das políticas fiscal, monetária, do setor financeiro, estrutural e de câmbio, além de outras políticas", que é o enunciado da meta do MAP. Como se vê, nada fácil de se alcançar.
Se o enunciado for mal interpretado, o risco, diz Mantega, é o de que "vários países adotem medidas para se defender do desembarque da moeda norte-americana".
O Brasil estará entre eles, mas o ministro, como é óbvio, diz que tais medidas "se adotam, não se anunciam".
Não é a primeira vez em que, nas imediações de cúpulas do G20, surge a tese de trocar o dólar por algum outro mecanismo (ou moeda) como principal reserva global. China e Rússia já propuseram isso, mas as propostas jamais chegaram de fato à mesa de negociação.
Chegarão agora? Mantega acha que a situação mudou: "À medida que os EUA olham só para seus próprios interesses, abrem espaço para uma mudança [no sistema financeiro internacional]".


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