São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2011

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ROBERTO RODRIGUES

Inflação de alimentos: culpa de quem?


A demanda cresceu nos emergentes, a oferta nem tanto e os especuladores inflaram mais os preços


O MUNDO DEBATE a alta dos preços dos alimentos. E já começaram a surgir posições terroristas sobre a questão.
O fundador do Worldwatch Institute, Lester Brown, por exemplo, disse recentemente que, se as safras de grãos não forem boas no futuro próximo, "veremos novos aumentos que levarão o mundo ao território não mapeado da relação entre preço de alimentos e estabilidade política".
Ele amplia o catastrofismo: "Os preços dos alimentos subirão para níveis anteriormente impensáveis. Os saques de alimentos se multiplicarão, agitação política se espalhará, e governos cairão". E arremata, trágico: "O mundo está hoje a uma safra ruim do caos nos mercados mundiais de grãos".
Trata-se, evidentemente, de um exagero muito grande. Claro que há um problema real de inflação de alimentos, e já tratamos disso neste espaço mais de uma vez.
E as causas estão fora do Brasil. Elas se devem a fatos já evidenciados: a demanda cresceu muito nos países emergentes, a oferta não acompanhou esse crescimento, os estoques mundiais caíram e os especuladores inflaram os preços ainda mais. O resto é secundário.
Mas começo a me preocupar com uma possibilidade: logo, logo vai aparecer algum maluco dizendo que a culpa é da ganância dos agricultores. Ora, estes, especialmente os brasileiros, não têm absolutamente nada a ver com isso.
Aliás, é exatamente o contrário, como se pode verificar pelos últimos e sucessivos aumentos de produção. Nesta safra mesmo, cuja colheita está se iniciando, talvez estabeleçamos novo recorde, chegando a 153 milhões de toneladas!
Como os preços subiram no mundo todo, e sendo a economia globalizada, os nossos produtores também recebem o impacto positivo disso, mas eles não são os causadores do aumento de preços. Na verdade, os nossos produtores acabam recebendo bem menos que os de fora, que recebem em dólares: o real valorizado tira parte desses ganhos.
Pode-se dizer que a carne bovina subiu demais, e é verdade. Mas há também razões fortes para isso. Nos últimos anos, os preços da carne estavam tão baixos que os pecuaristas mandaram as fêmeas para o frigorífico. Com isso, o nascimento de bezerros caiu -e a oferta de carne diminuiu. Consequentemente, os preços subiram bastante no ano passado, até por causa da demanda mundial ascendente já referida.
Além disso, a seca de 2010 no Centro-Oeste e no Sudeste do país reduziu drasticamente a produção de carne. Mesmo assim, o preço já caiu em janeiro deste ano. Pouco, mas caiu.
Segundo a Scot Consultoria, o produtor de boi recebe mais ou menos R$ 6,83 por quilo do traseiro (mais ou menos porque o boi é vendido por arroba, e há diferenciação de preços entre traseiro -filé, contrafilé, picanha, maminha, alcatra, coxão mole e duro, lagarto, aba- e o dianteiro -carne de segunda), o frigorífico vende esse mesmo quilo por R$ 10,39 e o varejo, por R$ 20,34. É certo que todos têm seus custos, mas é evidente que há desequilíbrio nas margens de cada elo da cadeia, e isso precisa ser bem avaliado. Mas como resolver o problema global de inflação? A solução definitiva só virá com safras abundantes, e isso depende basicamente de três fatores:
Clima: se chover bem, já no ano que vem se restabelecerá o equilíbrio, porque o mundo todo vai aumentar o plantio com esses preços bons, produzindo muito mais, e os preços cairão.
Políticas públicas adequadas e estimulantes por parte dos governos dos países produtores. Redução dos subsídios dos países ricos. É isso que o presidente da França e do G20, Sarkozy, deveria defender, em vez de suas propostas populistas. Se, nos próximos dez anos, a União Europeia só aumentar em 4% sua produção de alimentos (segundo a OCDE), os europeus deveriam reduzir seu brutal protecionismo para fomentar os países tropicais a produzirem muito mais, o que não acontece hoje porque não podem competir com os tesouros dos poderosos.

ROBERTO RODRIGUES, 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Depto. de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.

rr.ceres@uol.com.br

AMANHÃ EM MERCADO:
Marcelo Neri


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