São Paulo, quarta-feira, 13 de outubro de 2010

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ENTREVISTA ANTÔNIO BRITTO

Jogo da inovação farmacêutica é o que interessa ao Brasil

PARA EXECUTIVO DA INTERFARMA, PAÍS PRECISA TER UMA POLÍTICA DE PESQUISA

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE CIÊNCIA

O Brasil corre o risco de perder o bonde da inovação farmacêutica por falta de uma política de atração da pesquisa clínica (a que envolve pacientes humanos) e pela existência de um sistema confuso e ineficiente de comitês de ética.
A avaliação é de Antônio Britto, ex-governador do Rio Grande do Sul e hoje presidente-executivo da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa). O órgão reúne empresas que respondem por 57% dos lucros do setor farmacêutico no país.
"Determinadas autoridades defendem o projeto nacional [de inovação farmacêutica], mas acham que é possível ser nacional e isolado. A ciência e a internet acabaram com a possibilidade de qualquer coisa neste mundo ser isolada e autônoma", disse Britto à Folha.
Ele, no entanto, afirma que a comunidade científica no país atingiu um patamar no qual já é possível desenvolver medicamentos inovadores, desde que os desafios regulatórios sejam vencidos. Leia os principais trechos da entrevista à Folha.

 

Folha - Por que a indústria farmacêutica brasileira ainda é tão tímida na hora de criar medicamentos inovadores?
Antônio Britto -
Há uma distância grande entre o que o Brasil poderia fazer em matéria de pesquisa e o que o Brasil vem obtendo.
Poderíamos ter um patamar muito melhor pela qualidade da produção acadêmica, pelo crescimento extraordinário da qualidade dos núcleos de excelência.
Por outro lado, o mundo quer fazer pesquisa no Brasil, pelas razões que citei, pela importância do Brasil como país, pelo perfil demográfico e pelo perfil étnico do país.
Se, neste momento, em algum lugar do mundo, alguém estiver começando uma pesquisa sobre um novo medicamento, a vontade desse alguém será incluir o Brasil na pesquisa.
Então, onde é que a coisa pega? O primeiro problema é que o Brasil não tem uma atitude pró-ativa, uma estratégia de buscar a pesquisa, ao contrário de alguns países, como Irlanda e Cingapura.
De alguma forma o Brasil, enquanto enfrentava as doenças de Terceiro Mundo com razoável êxito, dengues à parte, também passava a ter doenças do chamado Primeiro Mundo, decorrentes da maior longevidade da população, as chamadas doenças urbanas do progresso.
E para esse segundo patamar não há como não fazer um projeto que, sendo nacional porque é em benefício do Brasil, não dialogue com os projetos de pesquisa no mundo. E aí vem o outro gargalo.
Determinadas autoridades defendem o projeto nacional, mas acham que é possível ser nacional e isolado. A ciência e a internet acabaram com a possibilidade de qualquer coisa neste mundo ser isolada e autônoma.
O terceiro e último gargalo decorre um pouco do anterior, que é uma demora demasiada na análise dos pedidos de pesquisa.
O sistema CEP-Conep [comitês de ética em pesquisa, ligados à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa] foi um grande avanço do Brasil para proteger a ética, mas ela está sendo usada para demorar.
E a palavra "ética" não precisa rimar com a palavra "demora". Por não ter pessoal suficiente, o Conep aguarda que pessoas temporárias façam as análises.

Esses entraves que o sr. vê valeriam tanto para um fármaco desenvolvido por uma multinacional fora daqui como para uma molécula nova patenteada por uma universidade brasileira, por exemplo?
O mundo da saúde, infelizmente, vive de preconceitos de 20, 30, 40 anos atrás. Mas, se você fizesse o teste da garrafa sem rótulo, ou seja, comparasse os problemas enfrentados por nacionais que querem pesquisa e os de empresas globais que querem pesquisa, sem saber quem está falando o quê, você veria a mesma realidade.
Parte das empresas nacionais se deu conta de uma coisa muito importante, que é o fato de que a cópia do medicamento existente te coloca na estrada da commodity. E essa estrada te leva para dentro da China e da Índia.

Mas o que impede uma multinacional, que tem o dinheiro e a tradição de produzir novos medicamentos, de criar um centro de pesquisa e desenvolvimento no Brasil?
Acho que estamos muito perto de coisas desse tipo acontecerem com maior velocidade. Nos últimos anos, o país ganhou algumas das condições para que isso aconteça: a estabilidade política, o respeito à legislação, o respeito à figura das patentes e da propriedade intelectual, um avanço extraordinário na qualidade dos nossos cientistas, o crescimento em termos de equipamentos e de centros de excelência.
O que ainda falta? Uma definição mais clara por parte dos governos, para saber se eles realmente querem a pesquisa, que a pesquisa tem de ser um projeto nacional, mas não um projeto nacional isolado e autônomo.

Mas o problema é a coisa ficar parada no nível de mera fábrica de vacina, linha de montagem, e não de pesquisa e desenvolvimento real...
O jogo do futuro é o jogo da inovação, também em saúde humana. A primeira onda, que era a do insumo básico, do genérico, nós perdemos para a Índia e, em parte, para a China. Eles detêm uma posição diferenciada nessa área. Só que a gente pode jogar o segundo jogo, que é muito mais relevante para o futuro, que é o da inovação.

O sr. mencionou rapidamente os candidatos a presidente antes. Há diferenças na maneira como cada um vê isso?
Tivemos contato com ambos e ficamos animados, porque parece que essa consciência, de que há uma oportunidade sendo desperdiçada, chegou a eles. E que com muito pouco, do ponto de vista burocrático e institucional, você pode dar um salto em ganho para o paciente.

Por outro lado, o mero fato de receber a pesquisa clínica quando o desenvolvimento do remédio em si foi feito fora do país traz alguma vantagem para o Brasil?
A avaliação que vale a pena é a dos cientistas brasileiros. A verdadeira vítima desse processo não é a indústria, porque a pesquisa que não é feita aqui é feita em outro lugar. Quem está perdendo são, em primeiro lugar, os pacientes e, em segundo lugar, os cientistas e médicos brasileiros, que poderiam estar colhendo dados.

Os especialistas reclamam da relativa falta de investimento de pesquisa farmacêutica em doenças como a dengue, a febre amarela e outras moléstias de países pobres. Como casar essa necessidade com as tendências da indústria?
Acho que é aí que entram políticas nacionais e interesses nacionais que podem ser legitimamente colocados na mesa na hora de ajustar os termos de uma negociação. É questão de dizer "olha, você que está querendo investir, ampliar sua participação no Brasil, eu tenho um problema aqui. Como é que a gente pode trabalhar junto nisso?".


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