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ENTREVISTA ANTÔNIO BRITTO
Jogo da inovação farmacêutica é o que interessa ao Brasil
PARA EXECUTIVO DA INTERFARMA, PAÍS PRECISA TER UMA POLÍTICA DE PESQUISA
REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE CIÊNCIA
O Brasil corre o risco de
perder o bonde da inovação
farmacêutica por falta de
uma política de atração da
pesquisa clínica (a que envolve pacientes humanos) e
pela existência de um sistema confuso e ineficiente de
comitês de ética.
A avaliação é de Antônio
Britto, ex-governador do Rio
Grande do Sul e hoje presidente-executivo da Interfarma (Associação da Indústria
Farmacêutica de Pesquisa).
O órgão reúne empresas que
respondem por 57% dos lucros do setor farmacêutico no
país.
"Determinadas autoridades defendem o projeto nacional [de inovação farmacêutica], mas acham que é
possível ser nacional e isolado. A ciência e a internet acabaram com a possibilidade
de qualquer coisa neste mundo ser isolada e autônoma",
disse Britto à Folha.
Ele, no entanto, afirma
que a comunidade científica
no país atingiu um patamar
no qual já é possível desenvolver medicamentos inovadores, desde que os desafios
regulatórios sejam vencidos.
Leia os principais trechos
da entrevista à Folha.
Folha - Por que a indústria
farmacêutica brasileira ainda
é tão tímida na hora de criar
medicamentos inovadores?
Antônio Britto - Há uma
distância grande entre o que
o Brasil poderia fazer em matéria de pesquisa e o que o
Brasil vem obtendo.
Poderíamos ter um patamar muito melhor pela qualidade da produção acadêmica, pelo crescimento extraordinário da qualidade dos núcleos de excelência.
Por outro lado, o mundo
quer fazer pesquisa no Brasil,
pelas razões que citei, pela
importância do Brasil como
país, pelo perfil demográfico
e pelo perfil étnico do país.
Se, neste momento, em algum lugar do mundo, alguém estiver começando
uma pesquisa sobre um novo
medicamento, a vontade
desse alguém será incluir o
Brasil na pesquisa.
Então, onde é que a coisa
pega? O primeiro problema é
que o Brasil não tem uma atitude pró-ativa, uma estratégia de buscar a pesquisa, ao
contrário de alguns países,
como Irlanda e Cingapura.
De alguma forma o Brasil,
enquanto enfrentava as
doenças de Terceiro Mundo
com razoável êxito, dengues
à parte, também passava a
ter doenças do chamado Primeiro Mundo, decorrentes
da maior longevidade da população, as chamadas doenças urbanas do progresso.
E para esse segundo patamar não há como não fazer
um projeto que, sendo nacional porque é em benefício do
Brasil, não dialogue com os
projetos de pesquisa no mundo. E aí vem o outro gargalo.
Determinadas autoridades
defendem o projeto nacional, mas acham que é possível ser nacional e isolado. A
ciência e a internet acabaram
com a possibilidade de qualquer coisa neste mundo ser
isolada e autônoma.
O terceiro e último gargalo
decorre um pouco do anterior, que é uma demora demasiada na análise dos pedidos de pesquisa.
O sistema CEP-Conep [comitês de ética em pesquisa,
ligados à Comissão Nacional
de Ética em Pesquisa] foi um
grande avanço do Brasil para
proteger a ética, mas ela está
sendo usada para demorar.
E a palavra "ética" não
precisa rimar com a palavra
"demora". Por não ter pessoal suficiente, o Conep
aguarda que pessoas temporárias façam as análises.
Esses entraves que o sr. vê valeriam tanto para um fármaco
desenvolvido por uma multinacional fora daqui como para uma molécula nova patenteada por uma universidade
brasileira, por exemplo?
O mundo da saúde, infelizmente, vive de preconceitos
de 20, 30, 40 anos atrás. Mas,
se você fizesse o teste da garrafa sem rótulo, ou seja, comparasse os problemas enfrentados por nacionais que querem pesquisa e os de empresas globais que querem pesquisa, sem saber quem está
falando o quê, você veria a
mesma realidade.
Parte das empresas nacionais se deu conta de uma coisa muito importante, que é o
fato de que a cópia do medicamento existente te coloca
na estrada da commodity. E
essa estrada te leva para dentro da China e da Índia.
Mas o que impede uma multinacional, que tem o dinheiro
e a tradição de produzir novos medicamentos, de criar
um centro de pesquisa e desenvolvimento no Brasil?
Acho que estamos muito
perto de coisas desse tipo
acontecerem com maior velocidade. Nos últimos anos, o
país ganhou algumas das
condições para que isso
aconteça: a estabilidade política, o respeito à legislação, o
respeito à figura das patentes
e da propriedade intelectual,
um avanço extraordinário na
qualidade dos nossos cientistas, o crescimento em termos
de equipamentos e de centros de excelência.
O que ainda falta? Uma definição mais clara por parte
dos governos, para saber se
eles realmente querem a pesquisa, que a pesquisa tem de
ser um projeto nacional, mas
não um projeto nacional isolado e autônomo.
Mas o problema é a coisa ficar
parada no nível de mera fábrica de vacina, linha de
montagem, e não de pesquisa
e desenvolvimento real...
O jogo do futuro é o jogo da
inovação, também em saúde
humana. A primeira onda,
que era a do insumo básico,
do genérico, nós perdemos
para a Índia e, em parte, para
a China. Eles detêm uma posição diferenciada nessa
área. Só que a gente pode jogar o segundo jogo, que é
muito mais relevante para o
futuro, que é o da inovação.
O sr. mencionou rapidamente os candidatos a presidente
antes. Há diferenças na maneira como cada um vê isso?
Tivemos contato com ambos e ficamos animados, porque parece que essa consciência, de que há uma oportunidade sendo desperdiçada, chegou a eles. E que com
muito pouco, do ponto de
vista burocrático e institucional, você pode dar um salto
em ganho para o paciente.
Por outro lado, o mero fato de
receber a pesquisa clínica
quando o desenvolvimento
do remédio em si foi feito fora
do país traz alguma vantagem para o Brasil?
A avaliação que vale a pena é a dos cientistas brasileiros. A verdadeira vítima desse processo não é a indústria,
porque a pesquisa que não é
feita aqui é feita em outro lugar. Quem está perdendo
são, em primeiro lugar, os
pacientes e, em segundo lugar, os cientistas e médicos
brasileiros, que poderiam estar colhendo dados.
Os especialistas reclamam da
relativa falta de investimento
de pesquisa farmacêutica em
doenças como a dengue, a febre amarela e outras moléstias de países pobres. Como
casar essa necessidade com
as tendências da indústria?
Acho que é aí que entram
políticas nacionais e interesses nacionais que podem ser
legitimamente colocados na
mesa na hora de ajustar os
termos de uma negociação. É
questão de dizer "olha, você
que está querendo investir,
ampliar sua participação no
Brasil, eu tenho um problema aqui. Como é que a gente
pode trabalhar junto nisso?".
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