São Paulo, sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

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VINICIUS TORRES FREIRE

Europa em ritmo de década perdida


Sob risco de quebra, países festejam novo empréstimo a juros altos, como o Brasil fazia nas décadas perdidas


PORTUGAL, Itália e Espanha foram nesta semana à praça tomar dinheiro emprestado. O resultado suscitou "cauteloso otimismo". Os governos desses países, no bico do corvo, conseguiram empréstimos a taxas de juros inferiores àquelas tidas como sinal de pré-coma financeiro. Mas os juros subiram em relação à ultima rodada de "captações". A Europa empurra a crise de sua dívida com a barriga. Talvez ora não exista alternativa politicamente viável.
A crise europeia é assunto chato como fila de banco. Mas os achaques europeus foram um dos fatores a balançar a economia mundial em meados de 2010. Em caso de calote, bancos europeus iriam à breca, pois detêm 77% da dívida dos Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia, Espanha). Teriam de ser resgatados pelos governos, que então se afundariam em dívidas. Isso seria grave.
O leilão da dívida desta semana não foi um fracasso devido ao jeitinho europeu. O Banco Central Europeu na prática empresta dinheiro à banca, que por sua vez compra dívidas de governos. Na prática, de novo, o BCE empresta algum dinheiro a governos meio quebrados, o que ajuda a reduzir juros. Além do mais, em acordos, promessas e até operações ainda não muito esclarecidos, os chineses estão emprestando e/ou prometendo emprestar dinheiro a Portugal, Espanha e Irlanda, o que é confirmado por funcionários dos ministérios das Finanças europeus.
Por fim, para atenuar o rolo no curto prazo, há a promessa de expansão do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), criado para evitar o calote grego e, depois, o irlandês. O FEEF também vai lançar seus títulos (tomar dinheiro emprestado), o que seria o embrião de uma grande emissão europeia. Isto é, papeis transnacionais que na prática financiariam governos nacionais que estão pagando muito caro para tomar dinheiro no mercado.
Parece uma solução? Num texto escrito neste mês para o Itaú BBA, Stephen Jen explicou de modo muito cru o cozido europeu. Jen foi do Banco Mundial, do Fed, do FMI (no qual trabalhou em pacotes para emergentes), dirigiu a área de pesquisa de câmbio e emergentes no Morgan Stanley e agora trabalha num "hedge fund" de commodities, o BlueGold.
Jen escreve coisa da qual nós, brasileiros, estamos carecas de saber: o caso não terá solução enquanto a taxa de juros da dívida for muito maior que a do crescimento dos PIBs de Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia, Itália, vários ainda em recessão feia. Taxa de juros mais alta que a do crescimento produz o aumento da dívida em relação ao PIB e, pois, do risco de insolvência.
A solução seria calote organizado e/ ou "reformas" que aumentem a produtividade. "Quanto mais os sindicatos dos Piigs resistirem a cortes de salários e reformas... mais os investidores vão se preocupar com sua capacidade de competir e crescer, e mais relutantes ficarão de comprar títulos desses países", escreve Jen. Ou seja, para se adaptar à "competição mundializada", os Piigs teriam de passar a faca no povo, já bastante lanhado.
Quanto aos títulos europeus ou à expansão do fundo anticalote, Jen diz que isso tem um limite claro. Quanto mais os países "nota 10" em finanças (Alemanha, França, Holanda e outros menores) ajudarem os vizinhos problemáticos, maior o risco de verem as taxas de juros subirem para eles também.

vinit@uol.com.br


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