São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARIO MESQUITA

Bancos e mercados estressados


Um banco que usar recurso jurídico para não participar do teste de estresse estará dando sinal de fragilidade


A EUROPA decidiu seguir o exemplo norte-americano e vai implementar, e publicar, testes de estresse para seus bancos.
A razão é simples: o sistema bancário europeu ainda não superou os problemas que começaram com a crise do "subprime" e continuam com a crise da dívida mediterrânea.
O papel do teste de estresse europeu é separar o joio do trigo, mostrando aos mercados que a grande maioria dos bancos na região está confortavelmente solvente.
O teste deverá também apontar as instituições realmente frágeis, mas sua publicação deverá ser administrada de forma a evitar um aumento na percepção de risco sistêmico.
Para alcançar os resultados almejados, o teste de estresse, que será implementado pelo Comitê Europeu de Supervisores Bancários, em cooperação com o BCE, terá de ser representativo, realista e informativo.
O primeiro critério será provavelmente preenchido. A lista de bancos a serem testados chega a 91 (65% do setor bancário europeu), incluindo não apenas os grandes grupos internacionais sediados na Europa mas também instituições domésticas importantes.
Nesse contexto, é positivo que o teste cubra diversos bancos regionais alemães, os Landesbanken, bem como as Cajas regionais de poupança espanholas.
A distribuição geográfica das instituições é, por si só, interessante. Quase a metade dos grupos a serem examinados é da Espanha, da Grécia, da Itália e de Portugal (42 de 91), ao passo que apenas 8, no total, são da França e do Reino Unido.
A avaliação do teste fica mais complexa no quesito do realismo.
Do ponto de vista macroeconômico, o cenário adverso contemplado é de crescimento do PIB regional três pontos percentuais abaixo das projeções da Comunidade Europeia para 2010 e 2011, ou seja, em vez de crescer modestamente, a economia europeia continuaria em recessão nos dois anos (contrações de 2% e de 1,3%, respectivamente).
Quanto ao risco de mercado, considera-se o retorno às condições vigentes no início de maio, antes do anúncio do pacote comunitário de ajuda, com um aumento nas taxas de juros que capture o aumento dos prêmios de risco dos títulos dos governos europeus.
Isso pode ser insuficiente, pois ao mantra dos governantes da região de que não haverá reestruturação da dívida pública se contrapõe a realidade dos mercados, que apreçam com probabilidade significativa a ocorrência de um evento de crédito soberano em algumas das economias mais frágeis da região.
No que se refere à transparência, preocupam as informações, circulando nos mercados e na mídia especializada, de que certos bancos regionais alemães estariam fazendo pressão, com aparente amparo legal, para a publicação apenas de resultados parciais dos testes de estresse.
O sinal dado pelas próprias autoridades europeias é que só maior transparência quanto ao real estado dos bancos pode restaurar a confiança e o bom funcionamento do sistema.
Um banco, ou grupo de bancos, que se valer de recursos jurídicos para se recusar a participar do teste de estresse, ou que condicionar sua participação à publicação de resultados parciais, está sinalizando a sua própria fragilidade.
Mas o teste é apenas a primeira etapa. É de esperar que as autoridades da Europa tenham em mãos (o que requer margem fiscal), e estejam preparadas para utilizar, instrumentos, de recapitalização, fusão e/ou intervenção, que removam prontamente o risco sistêmico derivado das instituições apontadas como problemáticas -sem isso, o exercício pode se tornar contraproducente.
Em resumo, as autoridades europeias tomaram uma atitude corajosa ao anunciar a realização e a publicação dos resultados de testes de estresse, agregados e individuais, no dia 23 deste mês.
Com isso, visam, e devemos torcer para que estejam certas, repetir o sucesso de exercício semelhante realizado nos Estados Unidos no início de 2009.
Mas, no caso europeu, a complexidade é maior, o que pode manter a volatilidade dos mercados e o desconforto dos investidores com a região por mais tempo.

MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.



AMANHÃ EM MERCADO:
Julio Vasconcellos


Texto Anterior: EUA dobram superavit no comércio com o Brasil
Próximo Texto: Patentes: eBay é alvo de processo de US$ 3,8 bi
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.