São Paulo, domingo, 14 de novembro de 2010

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ANTÔNIO PALOCCI FILHO

Blitzkrieg, tática e estratégia


A guerra contra a crise econômica exige paciência, estratégia e coordenação conjunta das nações

A DECISÃO recente do Fed (o banco central dos Estados Unidos) de, até junho do próximo ano, injetar mais US$ 600 bilhões na compra de títulos norte-americanos de longo prazo gerou preocupações e reações de todos os tipos mundo afora. Ostensivamente, o objetivo é baixar a taxa de juros de longo prazo, estimulando o investimento.
Mas se teme que esse aumento da liquidez no mercado americano tenha efeitos negativos sobre os países emergentes de melhor desempenho econômico, valorizando ainda mais suas moedas, em detrimento da competitividade de seus produtos.
A União Europeia se impõe uma consolidação fiscal, na expectativa de que possa haver, mais tarde, uma retomada mais consistente no crédito e nos investimentos.
No outro lado do mundo, a China, que tem procurado diminuir sua dependência das exportações de forma bastante gradual, mantém sua moeda ancorada ao dólar, valendo-se do seu robusto superavit externo.
O resultado desses fatores sugere que os países com melhores políticas cambiais acabarão pagando um alto preço enquanto não se alcança um ajuste harmonioso.
Uma desejada ação coordenada entre as grandes economias vai perdendo fôlego.
O G7 se esfacelou, e o G20, que teve papel importante na primeira onda da crise, tem agora dificuldades em induzir cada país a tomar decisões que diminuam o custo do ajuste global, decorrente do esgotamento da capacidade do consumidor americano de garantir o crescimento da demanda mundial, como ocorreu nas duas últimas décadas.
Pelo tamanho da economia americana -25% da economia mundial e 30% do mercado de consumo global, antes da crise-, a sua recuperação tem impacto sobre todas as nações.
Mas a derrota parlamentar do presidente Barack Obama reduziu sua margem de manobra. Há muita gente que parece gostar de ver democratas e republicanos numa luta sem fim. Acha que assim eles têm menos tempo para atrapalhar os negócios ou estourar o Orçamento. Mas isso é folclore.
O fato é que a reação à crise tornou-se tarefa ainda mais espinhosa para o governo Obama. Se já era difícil fazer a coisa certa, agora só se faz o possível, e o governo ficou com poucos instrumentos além da política monetária, com reflexos importantes sobre todos os continentes.
Esse quadro é preocupante porque uma das razões de a crise financeira de 2008 não ter provocado repercussões ainda maiores na economia real foi a preservação do comércio internacional.
No entanto, as medidas de fechamento comercial no período recente têm sido quase três vezes mais frequentes do que as de abertura.
Por isso, é preciso insistir numa ação minimamente coordenada entre as principais economias, valorizando as boas práticas, que equilibrem fluxos de comércio e fortaleçam o nível de renda do trabalhador nos países emergentes.
Um recrudescimento protecionista terá efeitos deletérios de longo prazo. Proteção comercial é fácil de fazer e difícil de desmontar. Mas será um caminho inevitável se muitos países forem deixados à própria sorte.
O governo brasileiro tem feito um grande esforço nos fóruns internacionais por uma ação mais coordenada. Não deve deixar de fazê-lo. Em um mundo que mostra enorme dificuldade de entendimento, não há outra coisa a fazer senão remar contra a maré quando se defende algo essencial.
A reunião do G20 em Seul, iniciada em ambiente de discórdia, encerrou-se com um vago compromisso de cooperação para sanar os desequilíbrios da economia mundial e as desvalorizações competitivas, um resultado modesto, mas melhor do que o esperado.
Mas não devemos nos iludir: nas guerras, os exércitos normalmente ficam exultantes com o sucesso da tática da Blitzkrieg -a ação relâmpago. Só muito tempo depois descobrem que, concentrados na tática, perdem na estratégia.
A guerra contra a crise econômica exige paciência, estratégia e coordenação. Movimentos táticos isolados produzirão apenas um período mais longo de incerteza.


ANTÔNIO PALOCCI FILHO, 50, deputado federal (PT-SP) e ex-ministro da Fazenda, escreve mensalmente, aos domingos, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Maria Inês Dolci


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