São Paulo, terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

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Inflação na Argentina é um "buraco negro"

Graciela Bevacqua elaborava o índice; foi cortada em 2007 por não aceitar manipulá-lo

LUCAS FERRAZ
DE BUENOS AIRES

Responsável por elaborar o índice oficial de inflação da Argentina durante seis anos, a consultora Graciela Bevacqua alerta: o país está em um "buraco negro, prestes a explodir".
Ex-chefe da diretoria de preços do Indec, o equivalente argentino do IBGE, Graciela foi sacada do cargo, há exatos quatro anos, por tentar resistir à intervenção do governo Kirchner no órgão. Foi a primeira vítima.
"O governo não queria gastos domésticos no índice de preços. Tudo aconteceu por causa do ano eleitoral."
A saída do Indec, em 2007, gerou uma crise pessoal (ela chegou a fazer tratamento psiquiátrico), só atenuada em 2009 com o novo trabalho de consultora do Buenos Aires City, instituto da Universidade de Buenos Aires.
A seguir, trechos da entrevista à Folha.

 

A intervenção
Desde 2005, havia previsão de alta da inflação, mas a pressão do governo começou mesmo em 2006. Primeiro com o questionamento da metodologia e, principalmente, de quais eram as empresas consultadas. Houve pressão nessas empresas devido ao aumento dos preços.
Primeiro, o governo queria colocar alguém de fora do Indec para acompanhar as pesquisas. Depois, com a alta de preços em janeiro de 2007, pediram para refazer tudo.
Começaram a me pressionar para mudar a metodologia. O governo não queria gastos domésticos no índice, como despesas com saúde e turismo. Esses itens estão em qualquer índice de inflação.
Não aceitei e fui exonerada, disseram-me que a pedido do próprio Néstor Kirchner [então presidente]. Aí começou a intervenção.

Inflação e eleição
Estou convencida de que tudo aconteceu por causa do ano eleitoral. Cristina era candidata à eleição em 2007 e, para um governo que se diz progressista, preocupado com o combate à pobreza, nada é tão pior e impopular como ter uma inflação alta.
Em vez de atacar a inflação, eles controlam os índices. É tão surreal que os sindicatos ligados ao governo estão propondo reajuste salarial de cerca de 30%, muito acima da taxa oficial, de 11%.

Futuro da economia
Vai chegar um momento em que tudo vai explodir, talvez não demore muito. A inflação é um problema social no país, e a simples expectativa de inflação faz com que ela aumente ainda mais. O maior problema são os alimentos.
O pior é que o país está ficando sem estatísticas. Passamos vergonha sobre dados de inflação, que ninguém sabe exatamente quanto é.
Estamos num buraco negro. E não há reação da sociedade, que está anestesiada. O governo conseguiu acabar com o Indec, que tinha muito prestígio.


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