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ANÁLISE COMMODITIES
Regras do mercado futuro preocupam produtor de café
SYLVIA SAES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não há dúvida de que, em
parte, os fundamentos do
mercado explicam a alta nos
preços do café.
No entanto, a fuga dos investidores de ativos de risco
-particularmente aqueles
atrelados ao dólar- para as
commodities agrícolas também contribui para o atual
comportamento das cotações.
Esse movimento crescente
se baseia na liquidez do mercado financeiro e na concentração de capital em um punhado de investidores.
Sua existência, porém,
pouco tem a ver com os motivos que levaram à criação
dos mercados futuros agrícolas. Na verdade, estamos
diante de uma distorção na
lógica de funcionamento
desses mercados.
As Bolsas de commodities
surgem a fim de mitigar os altos riscos incorridos por produtores e consumidores.
Devido à instabilidade sazonal da produção e à inelasticidade da demanda e da
oferta no curto prazo, fez-se
necessária a criação de mecanismos de proteção aos
produtores.
Por meio da negociação de
contratos futuros, os produtores fixam, no tempo presente, o preço do ativo para
uma data futura.
Com isso, reduzem sua exposição às oscilações não desejadas, assegurando maior
previsibilidade à atividade.
Para os consumidores, os
benefícios são óbvios: maior
estabilidade no mercado e a
criação de um instrumento
incentivador da produção.
Entre as duas pontas da
cadeia, milhões de interessados nesses contratos os negociam diariamente.
Admite-se que, quanto
maior o número de especuladores, maior a liquidez. Em
outras palavras, mercados
em que muitas pessoas participam seriam também mais
eficientes.
Essa hipótese tem sido incansavelmente testada, com
resultados parecidos: a volatilidade dos preços das commodities diminui conforme
aumentam os negócios dessas commodities no mercado
de futuros.
Nos últimos tempos, porém, dois aspectos têm modificado essa lógica: a exagerada liquidez no mercado internacional e a forte presença
de especuladores nos mercados de derivativos.
ALTAS À VISTA
Atualmente, cerca de 80%
das posições compradas no
mercado futuro de café arábica da BM&FBovespa são de
pessoas jurídicas não financeiras, com destaque para os
fundos.
Parte desses agentes é
classificada como "noise traders": detentores de limitada
informação sobre o mercado,
negociam em resposta a boatos ou a pequenas alterações
na oferta ou no clima.
Em consequência, nota-se
aumento na volatilidade dos
preços futuros, algo transmitido aos preços à vista.
Os contratos futuros, outrora um instrumento de proteção, tornam-se determinantes para desestabilizar o
mercado spot. Ou seja, o mercado do café vem deixando
os fundamentos de lado,
operando segundo o ritmo
do mercado financeiro.
Como ficam, então, os supostos beneficiados pela
criação da Bolsa, os produtores e os consumidores?
Para os consumidores, as
notícias não são boas. As altas atuais devem levar a aumento de 10% a 15% nos preços do café.
Entre os produtores, também existem motivos para
preocupação. Pesquisa recente realizada pela Unicamp/USP/Ufscar e Fapesp
mostra que 50% dos produtores consideram o mercado
de futuros uma alternativa
arriscada.
Da mesma forma, quase
50% dos que o conhecem
não utilizam as Bolsas devido à necessidade de depósito
de margem de garantia e do
pagamento dos ajustes diários.
Resultado: boa parte dos
produtores está exposta ao
risco, algo que pode levá-los
a abandonar a atividade.
Para o produtor, portanto,
valem as palavras do economista John Maynard Keynes:
"A longo prazo, estaremos
todos mortos".
SYLVIA SAES é professora do
Departamento de Administração da
Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da Universidade de São
Paulo (FEA-USP).
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