São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

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ENTREVISTA DA 2ª LAURENCE C. SMITH

Mudança climática aquecerá economia do "Novo Norte"

DERRETIMENTO PROGRESSIVO DO GELO DO ÁRTICO TRAZ OPORTUNIDADE PARA NAVEGAÇÃO E PARA JAZIDAS DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL, DIZ AUTOR

MARCELO LEITE
DE SÃO PAULO

Depois dos Brics, os Norcs. Para Laurence C. Smith, geógrafo e especialista em mudança do clima da Universidade da Califórnia em Los Angeles, a primeira metade do século 21 assistirá à emergência de uma região do globo em que não se presta muita atenção: o Norte. Um Novo Norte, com crescimento econômico e demográfico acelerados pelo aquecimento global e pela globalização. "Norc" é a abreviação de "Northern Rim countries", os países da Orla Norte. Em português, soaria melhor Extremo Norte. É das nações que circundam o oceano Ártico que trata seu livro, "The World in 2050 - Four Forces Shaping Civilization's Northern Future" ("O Mundo em 2050 - Quatro Forças que Moldarão o Futuro da Civilização no Norte"; Dutton, 322 págs., US$ 26,95).
As quatro forças do título são a demografia (a população mundial continuará a crescer até 2050, chegando a 9,2 bilhões), a demanda por recursos naturais (idem), a globalização da economia e a mudança do clima. O Ártico, assinalam modelos, é a região do globo que mais se aquecerá. Melhor dizendo, já se aquece, à taxa de 1C ou 2C por década, dez vezes mais rápido que a média no restante do globo.
Isso se traduz em invernos mais amenos no norte do Canadá, na Sibéria, na Escandinávia e no Alasca. E, quem sabe, nas próximas décadas, o derretimento completo da calota de gelo sobre o oceano Ártico durante o verão. Grande oportunidade para a navegação (um caminho mais curto entre Europa e Ásia) e para as jazidas já detectadas de petróleo e gás natural, porém de exploração e escoamento difíceis nas condições climáticas atuais.
Smith, no fundo, é um grande otimista. Ele não omite os problemas que serão causados no próprio Ártico pela mudança do clima, como o derretimento do permafrost, que pode arruinar a infraestrutura dos Norcs.
Trata-os, contudo, com fleuma, assim como à temível previsão de que o consumo de combustíveis fósseis continuará a crescer.
Leia trechos da entrevista realizada por e-mail:

 

Folha - Se a temperatura não está crescendo tão depressa nos países tropicais, e como o Brasil e nações africanas vêm descobrindo imensas reservas de matérias-primas como petróleo, não seria mais correto predizer que um avanço mais importante deve ocorrer por volta de 2050 na altura da linha do Equador, em parceria com a China, do que na altura do círculo polar Ártico?
Laurence C. Smith
- Esses avanços pelo restante do mundo também acontecerão, não são mutuamente excludentes. Está muito claro que a Mongólia interior, por exemplo, é peça decisiva no futuro energético da China.
Está igualmente claro que as areias betuminosas do Canadá e a península Yamal da Rússia são peças decisivas para o futuro da energia na América do Norte e da Europa, respectivamente.

Pode-se dizer que o mundo já está comprometido com um aumento paulatino das emissões de CO2 e com um aquecimento superior a 2°C neste século? O livro afirma que "não existe um meio realista de eliminar o petróleo, o carvão e o gás natural do portfólio de energias mundiais em apenas 40 anos".
A maioria dos formuladores de políticas concorda, depois dos fracassos de Copenhague e de Cancún em produzir um tratado internacional legalmente vinculante sobre mudança do clima, que estamos provavelmente comprometidos com um aumento superior a 2°C na temperatura média global.
Mas o aquecimento do clima não para simplesmente por aí, 2°C é só o começo, a não ser que tomemos medidas concretas para controlar as emissões de carbono.
Os oceanos nem sequer estão dando conta, ainda, do CO2 que já produzimos. Em nossa trajetória atual estamos a caminho de triplicar a queima de carvão até 2050.
Quanto acabarão os seres humanos por aquecer o clima? Quais serão os debates em 20 anos? Na minha opinião, estamos só no início de batalha que durará séculos.

Algumas passagens do livro deixam a impressão de que o sr. se preocupa mais com a água do que com o esgotamento de reservas de petróleo. A impressão está correta?
Ambas são criticamente importantes, é óbvio. Mas a água será provavelmente a crise definidora do século 21. Podemos encontrar tipos alternativos de energia, mas não de água.

Quando o sr. se questiona sobre o que faz as civilizações vicejarem, deixa a guerra fora da equação. Não é muito otimismo?
Há razões para otimismo quando se considera a probabilidade de guerra aberta entre os países Norc. Não se trata de dizer que a guerra não possa ocorrer entre países como Canadá e Dinamarca, mas as linhas de fissura para um conflito estão menos aparentes do que para outras partes do mundo.

Os Norcs parecem ter uma faca de dois gumes em suas mãos: o efeito da mudança do clima pode ser visto tanto como um bônus quanto como uma maldição. O petróleo que se espera extrair do Ártico vai acelerar as emissões de carbono e a mudança do clima, que tornará o permafrost instável para construir estradas e prédios. Não estaríamos diante de um ciclo econômico mais do tipo expansão-e-crise ("boom-and-bust")?
A desestabilização do permafrost pode tornar certas áreas antieconômicas e talvez forçar seu abandono. Mas petróleo e gás são apenas uma pequena parte do meu livro.
Em graus variados, os Norcs possuem vantagens crescentes em coisas como água, educação, companhias globalizadas e políticas de imigração favoráveis.
Meus argumentos se baseiam nelas, também, e não simplesmente na extração de recursos naturais.

Por que o sr. está tão seguro de que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar oferece uma moldura adequada para prevenir disputas perigosas pelo controle das riquezas no leito marinho do Ártico? O direito internacional não impediu os EUA de invadir o Kuait nem o Iraque.
A convenção parece satisfatória, ao menos por ora, porque todas as cinco potências do Ártico se alinharam com ela de modo unânime.
Eles resistem claramente a quaisquer outras propostas de governança para a região, por exemplo a governança internacional da Antártida.

Sua conclusão é que a questão mais importante não é de capacidade, mas sobre o desejo: "Que tipo de mundo queremos?"! Seria um sinal de que os pesquisadores do clima estão finalmente reconhecendo que sua ciência sempre teve uma dimensão ética que a maioria deles tentou soterrar sob toneladas de dados nos últimos 20 anos?
Essa sentença final fala sobre algo muito além da ciência do clima, sobre enfrentar os muitos outros dilemas éticos aventados pela obra.
Até que ponto podemos danificar ecossistemas para obter recursos naturais necessários para a sociedade moderna? Deveriam os imigrantes globais ser barrados ou cobiçados? Os idosos deveriam receber cuidados de humanos ou de robôs? O leitor encontrará muitas dessas questões éticas no livro.


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