São Paulo, quarta-feira, 17 de novembro de 2010

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MARIO MESQUITA

Sinais ambíguos na economia


As importações explicam o descompasso entre a demanda acelerada e a produção morosa no Brasil


QUANDO O IBGE anunciou em 2007 a nova série de contas nacionais (as medidas estatísticas que procuram refletir o andar da carruagem da atividade econômica), duas avaliações logo se tornaram consensuais.
A primeira é que a nova série é superior à anterior, pois introduz mensuração em áreas que antes eram avaliadas apenas por extrapolação demográfica, por exemplo no que se refere a serviços públicos. A segunda, em parte derivada da modificação citada, é que a nova série seria mais volátil do que a antiga.
Há uma probabilidade razoável de que a volatilidade do PIB trimestral tenha sido particularmente intensa no corrente ano. Isso porque passamos de um crescimento próximo a 11% ao ano (trimestral anualizado) no primeiro trimestre para algo próximo a zero no terceiro. O dado oficial do PIB do terceiro trimestre só será divulgado no dia 9 de dezembro. Contudo, hoje o BC divulga seu indicador mensal de atividade econômica, o IBC-Br.
Esse indicador, trabalho pioneiro dos economistas do banco, que teve início na regional gaúcha e foi posteriormente estendido para a economia nacional, tem permitido antecipar com razoável precisão o resultado do PIB.
Exemplo: no primeiro trimestre de 2010, o IBC-Br cresceu 2,4% em relação ao último de 2009, e o PIB avançou 2,7%. No segundo, as variações foram de 1,2% para ambos.
Pois bem, em julho e em agosto o indicador aumentou parco 0,14% ante o patamar verificado em junho -na verdade, o IBC-Br vem andando de lado desde março.
A menos que haja uma pouco provável elevação forte em setembro, e abstraindo revisões dos números anteriormente divulgados, a média do IBC-Br no trimestre deve ter ficado cerca de 0,2% acima da média do trimestre anterior, o que sugere um PIB também fraco.
Esse resultado global modesto mascara um comportamento heterogêneo entre os indicadores de demanda, que têm seguido em ritmo forte, haja vista, por exemplo, o comportamento do comércio varejista e a debilidade da oferta, como indica a produção industrial.
De fato, o crescimento das vendas reais do varejo atingiu recorde histórico em setembro -elevação de 11,8%-, alavancado pela ampliação da renda das famílias, descontada a inflação, e do crédito.
Ambos os fatores têm se beneficiado da pujança do mercado de trabalho, que assegura salários em alta, em vários setores sindicalizados na casa dos dois dígitos, bem como inadimplência contida.
O que explica o descompasso entre a demanda acelerada e a produção morosa é essencialmente a contribuição da oferta externa, sob a forma de importações de bens finais, como automóveis, e intermediários, como os produtos petroquímicos. É esse descompasso que tem suscitado tanta reclamação e cenas de pressão explícita sobre o governo por parte de órgãos da indústria.
Um crescimento da demanda além da capacidade de suprimento da oferta doméstica leva ao aumento do deficit em conta-corrente, via crescimento das importações, ou ao aumento da inflação, ou uma combinação de ambos.
Na atual conjuntura, o aumento do deficit em conta-corrente, por muitos apontado como um problema, tem justamente evitado que o crescimento da demanda acarrete maior inflação, ajudando a aliviar a pressão sobre a política monetária.
Sendo assim, iniciativas voltadas a coibir ou a reverter a ampliação do deficit em conta-corrente -por exemplo, um novo protecionismo, por meio de barreiras não tarifárias- deveriam levar em conta o efeito deletério que podem ter sobre a inflação.
Um resultado fraco do PIB do terceiro trimestre será visto por certos analistas como sinal de que nenhuma correção de curso, para rebalancear o padrão de crescimento da economia seria necessária, e pode até suscitar sugestões de novos estímulos. Isso seria um equívoco.
Dada a insuficiência da poupança nacional, em especial no que se refere ao setor público, a ampliação dos investimentos, essencial para permitir o crescimento acelerado da economia, não pode prescindir da contribuição da oferta externa, a menos que se queira correr riscos com a estabilidade monetária.


MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Márion Strecker



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