São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2010

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OPINIÃO

Novo governo pode modificar tripé da estabilidade econômica

ERNESTO LOZARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O debate político entre os dois principais candidatos à Presidência da República, Dilma Rousseff e José Serra, começa a dar forma ao conteúdo da política econômica do próximo governo.
O primeiro indício é o de que poderá haver modificações no tripé da estabilidade e da previsibilidade da inflação. Esse tripé consiste na política de meta inflacionária, no câmbio flutuante e na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Sabe-se que, quando há intenção por parte da autoridade pública de reduzir a taxa de juros sem limitar os gastos de custeio, a meta de inflação e a política de câmbio flutuante perderão consistência econômica. A política de meta inflacionária exercida pelo BC foi o elemento básico no programa de estabilidade de preços dos governos FHC e Lula.
No entanto, entre os candidatos à Presidência surge divergência quanto à autonomia operacional do BC. Dilma tem demonstrado confiança na política de meta inflacionária e, aparentemente, apoia a autonomia operacional do BC. Serra pretende reduzir o grau de independência do BC e juntar ao Copom os ministros da Fazenda e do Planejamento. Se assim for, fica claro o desejo do Executivo de influir nas decisões do BC, tornando-as um instrumento da vontade do candidato, caso seja eleito.
Dessa forma, a taxa Selic nunca estará refletindo o equilíbrio dos juros no mercado, mas uma taxa qualquer arbitrada pelo presidente da República. É surpreendente que, em face do reconhecimento do sucesso no controle da inflação, em vez de se assegurar a autonomia do BC, procura-se enfraquecê-la.
As incertezas da inflação e do "risco Brasil" estão, principalmente, no descontrole dos gastos públicos federais na contratação de pessoal e no elevado custeio da máquina pública.
No período de 1996 a 2009, os gastos não financeiros do governo passaram de 14% para 18% do PIB. As receitas não financeiras saltaram de 14,5% do PIB em 1996 para 25% em 2009. Isso representou arrecadação em torno de R$ 750 bilhões em 2009.
O diferencial de sete pontos do PIB entre receitas e despesas, equivalente a R$ 210 bilhões de receita não financeira, foi destinado a cobrir parte do superavit primário e o restante foi para pagar os deficit da Previdência. Essa leniência fiscal só é possível porque o governo não está sujeito ao rigor da LRF. No tocante à política cambial, os candidatos são favoráveis à manutenção do câmbio flutuante, mas pretendem restringir a entrada de capitais externos com fins especulativos, como forma de conter a valorização do real.
Essa proposição revela o desconhecimento de que o câmbio livre oscila, em grande parte, conforme as variações dos juros. À medida que os juros sobem, o câmbio se valoriza, e vice-versa. Assim, se houver um esforço para diminuir os gastos públicos com pessoal e fazer a reforma da Previdência, a demanda do governo por dinheiro no mercado será menor e, assim, reduzir-se-á as taxas de juros e o câmbio ficará menos valorizado.
Para governar o Brasil atual não basta o instinto político ou o currículo do governante. Faz-se necessário ter competência para garantir a gestão dos interesses públicos, dos direitos de liberdade e da democracia, comprometer-se com a distribuição da renda, com a solidez e a independência das instituições públicas e privadas e com a valorização da abertura econômica e social.

ERNESTO LOZARDO é professor de economia da Eaesp-FGV e autor do livro "Globalização: A Certeza Imprevisível das Nações".



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