São Paulo, sexta-feira, 19 de agosto de 2011

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RODOLFO LANDIM

Medidor descalibrado


A credibilidade das agências de classificação de risco vem sendo posta em jogo desde 2008

DIAS ATRÁS, tivemos uma enorme queda das Bolsas de Valores de todo o mundo, em grande parte relacionada à decisão de uma das três maiores agências de classificação de risco (ACR) de rebaixar a nota atribuída aos títulos emitidos pelo Tesouro norte-americano.
As ACRs são empresas que, teoricamente, produzem pareceres confiáveis a respeito de agentes emissores de qualquer tipo de instrumento de dívida. Esses podem ser organizações sem fins lucrativos, empresas em geral ou governos. A classificação de risco de um emissor deve avaliar sua habilidade para pagar empréstimos contraídos e, por muito tempo, foi fator determinante para a definição da taxa de juros aplicada aos papéis desse emissor.
A credibilidade das ACRs vem sendo posta em jogo desde 2008, quando várias corporações por elas consideradas como "dignas da mais alta confiança" pediriam falência caso não fossem socorridas financeiramente. A crise obrigou os tesouros de vários países a intervir no mercado, injetando dinheiro público para evitar a quebradeira geral.
Essa é talvez a principal razão pela qual o nível de endividamento de vários países europeus e dos EUA tenha crescido tanto nos últimos anos, gerando dúvidas crescentes sobre a capacidade de esses países honrarem seus compromissos.
A gradual desregulamentação do setor financeiro americano, que atingiu o auge com George W. Bush, permitiu a criação, por bancos de investimento, de sofisticados produtos financeiros baseados em CDO ("collateral debt obligations").
Esses nada mais eram do que um conjunto de obrigações financeiras de diversas naturezas somadas, individualmente com riscos de créditos muito distintos, mas que, quando agrupadas em um único produto, eram classificadas pelas ACRs como AAA (a melhor avaliação possível). Isso dava aos investidores a impressão de que eram aplicações sólidas, mesmo estando elas recheadas de "subprimes" -nome dado aos créditos hipotecários do setor imobiliário associados a grande risco de inadimplência.
Os bancos de investimento que adquiriam esses CDO lastreados em dívidas ruins preparavam pacotes e os vendiam para o mercado como produtos de primeira qualidade, com lucros enormes. E tinham o incentivo de fazer cada vez mais do mesmo, já que conseguiam manter uma altíssima avaliação da instituição pelas ACRs, mesmo atingindo níveis de alavancagem temerários.
Só para ter uma ideia do erro de avaliação, o Bear Sterns, banco que começou a mostrar as chagas da crise, um mês antes de ser comprado à beira da falência tinha avaliação A2 (forte capacidade de cumprir seus compromissos). O Lehman Brothers, dias antes de pedir concordata, idem. Da mesma forma, a AIG, companhia que emitia seguros sem lastro para garantir as operações com CDO, era A2 até o momento em que foi salva pelo governo americano. Já a Freddie Mac e a Fannie Mae, empresas lotadas de "subprimes", eram ranqueadas como AAA.
Uma obra imperdível sobre o tema é o documentário ganhador do Oscar "Inside Job". Nele, é dito que havia até casos em que o valor pago nos contratos às ACRs crescia à medida que fossem melhorando as avaliações recebidas pelos contratantes, algo que levava a uma condenável forma de alinhamento de interesses.
Ao final de toda a apuração de responsabilidades pelo ocorrido em 2008, nenhum tipo de punição foi dada às ACRs. Elas alegaram que apenas emitiam opiniões e não poderiam ser responsabilizadas pelas consequências das mesmas.
Hoje, é flagrante o descrédito do mercado pelas avaliações das ACRs. O prêmio de risco dos títulos brasileiros e franceses no exterior encontra-se no mesmo patamar. No entanto, enquanto o Brasil é avaliado como um degrau acima do grau de investimento, a França é AAA.
É compreensível que os agentes reguladores julguem importante que o mercado sempre tenha uma opinião técnica e independente, mas as exigências legais de avaliações por ACRs têm sido vistas por muitos mais como procedimentos cartoriais do que guias para a comunidade de investidores. É hora de discutir qual o valor de manter essas práticas em vigor no Brasil.

RODOLFO LANDIM, 54, engenheiro-civil e de petróleo, é presidente da YXC Oil & Gas e sócio-diretor da Mare Investimentos. Trabalhou na Petrobras, onde, entre outras funções, foi diretor-gerente de exploração e produção e presidente da Petrobras Distribuidora. Escreve, às sextas-feiras, a cada duas semanas, nesta coluna.

AMANHÃ EM MERCADO:
Kátia Abreu


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