São Paulo, terça-feira, 19 de outubro de 2010

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ANÁLISE

Nova expectativa de vida exige debate sobre aposentadoria

JOÃO BATISTA NATALI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Os bebês do sexo feminino nascidos na França no final da atual década deverão viver cem anos ou um pouco mais do que isso. É algo estupendo em termos de higiene ou sistema público de saúde.
Mas é também um pesadelo atuarial: qual será a idade de aposentadoria dessas mulheres para não quebrar o sistema previdenciário?
Dentro da atual população francesa como um todo, os homens viverão 74,8 anos, e as mulheres, 84,5.
Em termos de União Europeia, Itália, Portugal e Reino Unido escalonaram em 35 anos a idade legal para a aposentadoria para 68 anos.
O limite de idade foi suprimido na exemplar Suécia, onde anualmente o assalariado recebe uma simulação de contracheque relativo a sua idade e tempo de contribuição.
Entre os franceses, o atual e fotogênico movimento de protesto contra a reforma no sistema de aposentadorias merece duas observações.
A primeira é a mais óbvia: as greves atingem em cheio o setor público -SNCF, a estatal ferroviária, RATP, metrô e trens urbanos em Paris, escolas secundárias- onde o Estado não costuma retaliar os grevistas. Que, por sua vez, paralisam setores que afetam a mobilidade ou a viabilidade de assalariados que não pretendem parar.
Mas há outro fator. Entre os franceses, os grandes movimentos de protesto extrapolam amplamente o objetivo pelo qual foram desencadeados. É uma espécie de operação catártica pela qual a sociedade reitera sua fé no Estado -ele é eficiente, e não perdulário ou por vezes incompetente, como no Brasil- e procura moldá-lo a seus interesses difusos.
Um exemplo não tão recente assim. Em abril de 1982 os partidários do ensino religioso privado colocaram nas ruas de Paris 100 mil manifestantes contra a unificação, sob tutela estatal, do sistema de ensino.
É claro que havia nas ruas padres, alunos de estabelecimentos privados e forças políticas conservadoras derrotadas nas presidenciais do ano anterior.
Havia, no entanto, milhares de franceses que protestavam contra a potencial expansão do Estado em outros setores alheios à educação.
Com relação à aposentadoria, o filme foi pela última vez rebobinado em 1995. Jacques Chirac era o presidente da República, e a proposta era exigir, para o funcionalismo público, 40 anos de cotização, em lugar dos 37,5 na época em vigor.
O extraordinário, na época, não foi a paralisação do funcionalismo. Foi a adesão em massa dos estudantes, que, como hoje, não eram diretamente afetados.
Pois hoje os secundaristas estão novamente nas ruas. Protestam contra Sarkozy, seu premiê e seus ministros, para preservarem a fé na racionalidade do Estado, que desde Napoleão 1º (1799-1814) construiu o mito de que paira acima dos interesses particulares.


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