São Paulo, sexta-feira, 19 de novembro de 2010

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O Fed sob intenso bombardeio


Felizmente, representantes do lado real da economia vieram em defesa do banco central dos Estados Unidos


VOLTO A FALAR sobre o banco central americano e sua decisão de afrouxar ainda mais as condições monetárias nos Estados Unidos. O Fed encontra-se sob intenso bombardeio em função dessa decisão.
Para muitos economistas e políticos, ela merece o fogo do inferno, pois vai criar uma inflação explosiva nos próximos anos. Para outros, como o ministro Mantega, o Fed quer com essa medida forçar uma desvalorização do dólar americano -e, como contrapartida, a valorização de moedas como o real- para aumentar as exportações americanas.
Certamente este é um efeito colateral das medidas adotadas, mas não seu objetivo central.
Os parlamentares republicanos mais radicais ameaçam inclusive retirar do mandato duplo de seu banco central a procura do pleno emprego, mantendo apenas uma meta de inflação. Para eles a conjugação de um governo como o do presidente Obama com um Fed que monetiza o deficit fiscal via compra maciça de títulos públicos é algo de natureza diabólica.
O Fed é uma das poucas autoridades monetárias no mundo a ter esse duplo mandato. Foi uma conquista do Partido Democrata nos terríveis anos da depressão dos anos 30 do século passado.
A principal motivação da maioria de seus membros ao comprar essa briga de grandes proporções com parte de Wall Street e a direita americana foi evitar -a todo custo- uma recaída na atividade econômica que possa conduzir o país para uma deflação no modelo japonês.
Como escreve um importante analista da economia americana, "nada assusta mais os bancos centrais do que uma ameaça de deflação". Felizmente, representantes do lado real da economia (a chamada "main street"), que sabem o que significa a deflação, vieram em defesa do Fed nos últimos dias.
A política monetária do Fed nos dois últimos anos foi fundamental para a economia voltar a crescer a taxas superiores a 2% ao ano, apesar de uma taxa de desemprego altíssima, de um consumidor lutando para equilibrar suas finanças e de um sistema bancário ainda acovardado.
Mas o Fed decidiu comprar mais um seguro, pois a fragilidade da recuperação não permite que se corram riscos imprevistos em um mundo ainda muito instável.
Vejam agora a volta da crise fiscal na Europa levando os mercados financeiros novamente a viver dias de quase terror. Bernanke [presidente do Fed] sabe muito bem -e para isso basta apenas conhecer um pouco a história japonesa dos anos 80 do século passado- que a volta prematura de uma política monetária convencional pode abortar a recuperação econômica.
Mas e a inflação que pode ser criada por essa maré de dinheiro barato que circula no mundo inteiro por conta da monetização do deficit fiscal americano? A primeira resposta de Bernanke é que a volta de alguma inflação será o primeiro sinal de que a recuperação da economia se consolidou e o perigo da recessão ficou para trás.
Neste momento o Fed poderá então voltar a cuidar de seu objetivo mais importante, que é manter os preços sob controle. Mas ele sabe que combater a inflação, com a economia ainda vivendo um desemprego forte, é brincadeira de criança perto de evitar uma depressão.
Certamente a volta da geração de empregos na economia americana a um ritmo superior a 300 mil por mês -que parece longe de acontecer- pode mudar sua prioridade. A divulgação dos índices de inflação ao consumidor de outubro mostrou de forma clara a dinâmica de preços ao consumidor nos EUA.
Considerado o índice de preços sem a presença de gasolina e alimentos, que refletem mais uma dinâmica de preços fora das fronteiras americanas, a inflação foi zero mais uma vez. Em 12 meses este índice cresceu apenas 0,6% e pode ficar negativo nos próximos meses. Tirando a histeria dos monetaristas e a raiva ideológica dos republicanos mais radicais, a ameaça de inflação nos EUA no horizonte próximo por conta do excesso de moeda em circulação me parece uma coisa de fantasia. A economia americana ainda tem uma enorme capacidade ociosa em setores importantes e essa situação deve permanecer até pelo menos a metade de 2011.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreve às sextas, quinzenalmente, nesta coluna.

lcmb2@terra.com.br

AMANHÃ EM MERCADO:
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