São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2011

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VINICIUS TORRES FREIRE

As aparências enganam


O que sobrou da "tensão" sobre a nota da dívida dos EUA? Por que se errou tanto sobre a receita de impostos?


O MUNDO real anda muito mais devagar que o das notícias, o dos jornais, os diários. Nem se mencione a ansiedade informativa do "tempo real". Para piorar, frequentemente o mundo anda para um lugar muito diferente do que a gente imaginava.
Considere as notícias e as análises econômicas aparentemente relevantes ou ruidosas dos últimos tempos -quer dizer, semanas.
Anteontem, a finança parecia tensa devido às notícias sobre a degradação da nota de crédito do governo dos EUA. Uma dessas agências de classificação de risco, a S&P, disse que a dívida americana perderia sua aparentemente sempiterna nota máxima devido a desacordo da elite política a respeito do que fazer da montanha crescente de papagaios. Talvez a nota americana fosse rebaixada daqui a dois anos.
As Bolsas caíram pelo mundo. A gente nem sabe mesmo se foi esse o motivo, pois anteontem foi dia de várias notícias em geral "ruins" (inflação na China, calotes português e grego etc.). Mas, tanto anteontem como ontem, os credores do governo americano não deram a mínima para o que disse a S&P.
Na praça financeira, o rendimento dos títulos da dívida americana deram uma subidinha lá pelo final de março, início de abril. Desde então, caem. Na prática, os juros continuam quase tão baixos como sempre desde o desastre de 2008.
A meta da taxa de juros do banco central americano (Fed) é, em termos reais, menos de zero. Os juros de papéis de prazo mais longo estão no chão também porque o Fed ainda compra centenas de bilhões de dólares desses papéis. Deve continuar a fazê-lo até junho. Depois disso, ainda deve dar um jeito de não dar cabo desse programa de "relaxamento monetário" ("quantitative easing") de uma hora para outra.
O mercado, os credores, parece acreditar nisso, dados os preços e rendimentos dos papéis. Ou seja, nada mudou sobre a dívida americana. Quando mudar, algo sério vai acontecer no mundo, Brasil inclusive. Mas a S&P era espuma.
Atravessando o Equador, soubemos ontem que a receita de impostos do governo federal cresceu, em termos reais, pantagruélicos 12% neste ano (primeiro trimestre ante primeiro trimestre de 2010). O ótimo balanço das empresas ajudou bem.
É verdade que o próprio governo prevê que o ritmo da arrecadação vai cair. Mas cresceria ainda 9% no ano. O dobro do PIB, no mínimo. Muita gente na praça previa que tal coisa não aconteceria. Que seria muito difícil o governo atingir sua meta de poupança ("superavit primário"). Etc. Pode não parecer, mas essa é uma discussão crucial.
É verdade ainda que o governo aumentou impostos (mas mesmo assim isso não explica o resultado da receita); que a economia vai desacelerar mais. Mas já desacelerava, talvez de 7,5% para 5% ao ano.
Ou seja, passados meses de polêmicas amargas, sabemos muito pouco sobre o destino do superavit do governo federal, do ritmo real da economia (está fria ou quente?), da resistência da receita de impostos, da real disposição do Banco Central de aumentar mais os juros agora ou em junho ou até o final do ano.
Correntes marinhas profundas são mais importantes para o clima do que chuvas de verão, claro. Mas a gente não pensa assim a respeito dos torós pirotécnicos dos mercados e da notícias econômicas.

vinit@uol.com.br


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