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Crise faz Irlanda rever bem-estar social
Com desemprego em alta, jovens preferem ter filhos e receber subsídios do governo a buscar oportunidades
Socióloga critica
falta de contrapartidas de quem recebe o dinheiro e de estímulo ao empreendedorismo
LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A DUBLIN
Das portas das casas novas
de três quartos, jardim na
frente, construídas pelo governo irlandês em um bairro
de classe média baixa no norte de Dublin, os pequenos
saem aos montes. Os pais observam a brincadeira. É quarta-feira, 15h. Não é feriado.
"Minha irmã está no shopping com as amigas e o bebê", diz a espevitada Amanda, 8. "Olha, ele é meu sobrinho também. E tenho uma
sobrinha", completa, apontando Craig, 4.
Por ali, é normal ter cinco,
seis filhos. E começar cedo.
"Você tem filhos?", indaga a
menina. "Não?", se assusta
diante do "não" da repórter.
A irmã de Amanda tem 20
anos e não é uma exceção.
Em Ballymun, está mais perto de ser regra. São jovens
frustrados com a dificuldade
de arrumar trabalho, que, relegados a subempregos, preferem recolher os benefícios
pagos pelo governo.
A história é contada por todos ali e admitida pelo Ministério do Bem-Estar: elas engravidam cedo e vivem com o
pai da criança, mas dizem a
agentes sociais que são mães
solteiras. Logo vem outro bebê. E outro. E talvez outro.
A poucas centenas de metros, as cadeiras do centro comunitário de recolocação
profissional de Ballymun estão vazias. Pat Griffin, que toca o lugar e ensina os frequentadores a reformar currículos, mandar apresentações e procurar vagas, resmunga: "Há coisa de dez
anos, isso lotava".
Não que a Irlanda não padeça com o desemprego -a
13,2%, sua taxa supera a média na União Europeia, embora não chegue a ser uma
Espanha. Mas é em um misto
de resignação e erros no sistema social que as cadeiras
vazias de Pat e o passeio da
irmã de Amanda pelo shopping encontram resposta.
Falhas de comunicação e
supervisão fermentadas por
décadas a partir das proposições generosas da Constituição de 1937 tornam mais
atraente viver de benefícios
de até 2.000 (R$ 4.600) e
tentar multiplicá-los -tendo
mais filhos (o país tem a
maior taxa de fertilidade da
UE, duas crianças por mulher) ou fraudando o sistema.
Rachel, 21, busca emprego. Tem uma filha. Acanhada, diz que perdeu o direito
ao subsídio integral -quase
200 por semana, mais 150
no fim do mês, mais ajuda
para o aluguel- porque o ex-namorado foi viver em Londres e declarou que paga
pensão à filha. "É mentira."
Descreve amigas com
dois, três filhos. "Está difícil e
elas desistem. Você não sabe
como é difícil", diz.
ALVO ERRADO
Para a socióloga brasileira-irlandesa Fabiana Lino Uí
Bheagáin, falta na forma como o sistema é orientado o
estímulo ao empreendedorismo. O dinheiro é quase
sempre repassado ao cidadão sem maiores exigências.
Só agora é que limitações
de prazo têm sido colocadas
e que contrapartidas, como
frequentar um treinamento,
começam a ser cobradas.
"Enquanto não houver
uma mudança de mentalidade de cima para baixo, vai ser
difícil tirar as pessoas desse
ciclo", diz a socióloga. "Se o
governo não for responsável,
tudo vai implodir."
Passado o pior da crise, o
país -que já foi chamado de
Tigre Celta- é hoje o maior
exemplo da encruzilhada da
Europa, ao menos na ótica de
economistas e instituições
como a OCDE, o grupo que
reúne 34 países ricos.
Com urgência inédita, precisa restringir o que é a essência dos Estados europeus no
pós-Guerra -o hoje sobrecarregado sistema de bem-estar social- sem desamparar a massa de desempregados nem esfriar a economia,
que em 2009 encolheu 7,1%.
"LOOPING"
Ian McCann, 35, três filhos
entre 17 e 9 anos, nascido e
criado em Ballymun e morando em uma das casas recém-construídas pelo governo, está há três anos procurando emprego. Está há seis
sem usar drogas, problema
citado como comum na área.
"As pessoas não têm o que
fazer aqui, dá nisso", acha.
A mulher -ou namorada,
como ele gosta de enfatizar,
mãe de seus filhos- trabalha
em um hotel nas redondezas.
Ganha 8,25 por hora e teve
a jornada semanal reduzida
para 24 horas. Trabalhando,
recebe quase o mesmo que
ganharia ficando em casa,
embora possa receber parte
dos subsídios. "Ela não quer
trabalhar mais lá, subiram a
carga e cortaram horas."
Mesmo recebendo, ele critica o sistema. "Esse dinheiro
é malgasto. Se você está desempregado e recebe, fica
preguiçoso. As pessoas entram em um "looping". Uma
mãe solteira ganha quase
200 por semana. Assim é
difícil sair do sistema."
Folha.com
Veja a reportagem
completa em
folha.com.br/me753589
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